Corte de verbas para pesquisa causa 'fuga de cérebros' na Espanha - Por Sandrine Morel


Nuria Marti, uma bióloga espanhola de 33 anos, perdeu o emprego em 2011 como parte de um plano de demissão coletiva. Como tantos outros compatriotas seus nos últimos anos, pode-se pensar. 
Mas essa jovem cientista, que foi rapidamente contratada pela universidade americana de Saúde e Ciência de Oregon (OHSU), participou ali da primeira clonagem de células-tronco humanas por transferência nuclear, proeza científica divulgada no mundo inteiro na semana passada.
No dia 16 de maio, Nuria Marti contou à rádio Cadena Ser sobre a emoção e a sorte de ter participado da experiência. Mas ela também falou sobre a "raiva" que sentiu quando teve de deixar a Espanha e sobre sua vontade de voltar. Todavia, deixou claro: "Não enquanto as coisas estiverem assim."
Porque as "coisas" andam mal para a ciência. A Espanha, ao longo de três anos, reduziu em 39% o orçamento da pesquisa. Nuria Marti sofreu as consequências disso em novembro de 2011, quando foi demitida do Centro de Pesquisas Príncipe Felipe de Valencia, como parte de um plano de demissão coletiva que colocou na rua 114 dos 244 funcionários e fechou metade de seus laboratórios. Seu currículo convenceu a prestigiosa OHSU, que a contratou três meses depois.
Redução do número de bolsas

Seu caso não é isolado. No dia 15 de maio, a imprensa divulgou a situação paradoxal do físico Diego Martinez Santos. Esse galego de 30 anos soube no mesmo dia que iria receber o Prêmio de Melhor Jovem Físico de Partículas da Sociedade Europeia de Física e que seu pedido para conseguir a bolsa Ramon y Cajal, destinada a atrair jovens cientistas talentosos na Espanha, havia sido negado.
Sua candidatura não convenceu o ministério espanhol da Economia e da Competitividade, responsável pela pesquisa, embora o jovem fosse pesquisador pelo Instituto Nacional de Física Subatômica da Holanda e tivesse um posto na Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear (CERN) para trabalhar com o acelerador de partículas LHC, de Genebra. A redução do número de bolsas contribuiu para isso. Houve um tempo em que o programa Ramon y Cajal oferecia 780 bolsas. Em 2012, não concedeu nenhuma. E este ano, somente 175.
Essas duas histórias, reveladas com um dia de intervalo, reforçam a ideia de que o país está vivendo uma "fuga de cérebros" que pode empobrecer e comprometer uma solução para a crise vinda de cima. Para aumentar sua competitividade, Madri tem apostado no baixo custo de sua mão de obra, o que chama de "desvalorização interna", e parece abandonar a ideia de estar na liderança das pesquisas médicas ou de energias renováveis.
"Retrocesso irremediável"

A Espanha não resolveu os problemas do Conselho Superior da Pesquisa Científica, o equivalente ao CNRS, à beira da falência já há vários meses. Ela também deve 164 milhões à Agência Espacial Europeia e 55 milhões ao CERN. E não confirmou se participará do projeto do telescópio gigante europeu (E-ELT) no Chile, pelo qual deveria desembolsar € 40 milhões. Em uma carta aberta, quase 300 personalidades, a maioria de astrônomos, criticaram um "retrocesso irremediável" para a ciência, que a impediria de "participar das atividades do telescópio" e de sua construção.
Em dezembro de 2012, 50 reitores de universidade se associaram para alertar que, se a política de cortes orçamentários na educação e na pesquisa não fosse mudada, "os danos ao sistema público de pesquisa e desenvolvimento seriam irreparáveis: destruindo aquilo que foi construído por décadas de esforços, deixando (…) sem perspectiva profissional milhares de jovens pesquisadores e enfraquecendo seriamente o futuro da economia espanhola".
Há cada vez mais espanhóis fazendo as malas para fugir do desemprego: 400 mil deixaram o país por motivos profissionais desde o início da crise. Ao contrário da imigração espanhola dos anos 1960, agora com frequência são jovens qualificados que estão indo embora, aqueles que compõem a "geração com a melhor formação da história".


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