Quem é Deus na sociedade plural? – Por João Batista Libânio

Em Belo Horizonte, a Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (Soter) organiza congresso internacional para debater o tema mais antigo da história humana: Deus. Todas as culturas, exceto a cultura moderna, nasceram no seio das religiões. 

A etimologia já nos ensina que ela pretende re+ligar-nos com o mundo divino ou re+ler a existência humana à luz do divino, escolhendo ritos de acesso à Transcendência.

O Ocidente viveu séculos sob a égide do Deus bíblico, que se revelou, de modo especial, a Israel e que se manifestou em seu mistério maior em Jesus Cristo. Nele fulgiu a revelação da Trindade. 

A teologia concentrava-se em aprofundar tal dado revelado na tranquilidade da unanimidade de fé. O paganismo ficara para trás. O judaísmo se reduzira no Ocidente a grupos menores. A fé cristã reinava soberana em crescendo desde a conversão do Império Romano, passando pela Idade Média até esbarrar na muralha racionalista da modernidade.

Então, iniciaram os debates acirrados com o surgimento de formas ateias, sobretudo alentadas pelos mestres da suspeita. A divulgação do ateísmo aconteceu antes nos meios intelectualizados e camadas populares ideologizadas. 

No Brasil, a fé católica que ainda permanecera até faz algumas décadas hegemônica, vê-se ameaçada, não tanto pelo ateísmo ou agnosticismo, mas pela explosão religiosa plural do momento: pentecostais, neopentecostais, religiões orientais, religiões já nascidas no Brasil, como Santo Daime e União do Vegetal e, enfim, pelo clima religioso misturado com desejos de autoajuda, de satisfação de anseios existenciais.

Nesse cenário, reúnem-se teólogos e cientistas da religião para debater tal problemática. Tudo estava previsto para clima sereno de discussões no campo estritamente religioso. Eis que explode no Brasil forte onda de insatisfação generalizada com movimentações de vários tipos e origens. Estamos em plena eclosão, de tal maneira que ainda nos falta serenidade e distância para captar o significado do que está a acontecer.

Mesmo que tal temática não esteja contemplada no programa do congresso, no entanto, não poderá estar ausente, se a religião e a fé quiserem ser o que no fundo pretendem: oferecer às pessoas sentido profundo de existência.

Estamos convivendo com duas esferas próximas e frequentemente identificadas, embora distintas e até, às vezes, antagônicas: a experiência religiosa e a experiência de Deus. Nem tudo que soa religioso se refere realmente a Deus. A pretensão de re-ligar com o divino não necessariamente se realiza.

A experiência religiosa passeia no mundo sagrado. E esse sofre, com facilidade, a atração de realidades mundanas que o confundem. O comércio, a propaganda, o esporte, o mundo da beleza corporal vestem-se com facilidade de tons sagrados e iludem sensibilidades superficiais. 

O lado afetivo obscurece a realidade maior da dimensão religiosa voltada para Deus. Ele pertence ao mundo do sentido radical, da última esfera do existir. Dele vale o que Paulo citou do poeta pagão: “nele vivemos, nos movemos e existimos” (At 17, 28). Dele recebemos o último sentido.

Em momento de convulsão por que passamos, lançar o olhar para o sentido maior contribui para encontrar solução de maior consistência.



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