A Islamofobia vai além de um simples racismo – Por Stéphanie Le Bars

Os sociólogos Abdellali Hajjat e Marwan Mohammed não escondem: sua obra 

"Islamofobia: como as elites francesas fabricam o 'problema muçulmano'" (Ed. La Découverte), defende uma teoria. 

Segundo eles, a noção de islamofobia e as ações que a acompanham são consequência de um "consenso nacional" em torno da ideia de que o islamismo e a presença de muçulmanos na França "trazem problemas". 

Mas, para além dessa demonstração, os autores fazem um trabalho detalhado sobre o estado atual das pesquisas na França e no mundo anglo-saxão sobre esse fenômeno. 

Eles abordam a "imperfeição" do termo, sua possível "instrumentalização" e o  crescente reconhecimento do fenômeno por parte das elites.

Le Monde: Qual é sua definição de islamofobia e quais são suas motivações?

Para nós, a islamofobia não é constituída somente de atos de discriminação, mas é também um fenômeno social global, que consiste em reduzir "o outro" à sua identidade religiosa, suposta ou real. Portanto, ela se baseia ao mesmo tempo em uma ideologia, em preconceitos e em atos. Nesse sentido, ela vai além de um simples racismo, mas decorre de um "problema muçulmano", construído por diferentes atores de maneira não planejada.
No momento atual, é preciso distinguir as diferentes lógicas, que operam de maneira separada ou cumulativa: anti-religião, luta contra o islamismo (religião perigosa) ou um racismo puro e simples (religião do estrangeiro). Mas, no final, essas lógicas convergem em um ponto: a essencialização do muçulmano. Não existe mais pluralidade de identidade em um indivíduo: o islamismo suplanta tudo.

Em 1979, a revolução iraniana inaugurou o olhar geopolítico sobre a situação dos muçulmanos na França. Essa abordagem resultou em uma associação islã-islamismo-terrorismo, após os atentados de 2001, em dissonância com a realidade. Hoje é evidente que, para alguns, existe uma ligação entre os acontecimentos recentes de Nairóbi e minha vizinha que usa o véu: é esse o cerne da islamofobia. A parte mais marginal fala pelo todo.

As reivindicações religiosas consideradas excessivas pela sociedade francesa também não alimentariam a islamofobia?

Nosso papel como sociólogos não é julgar tal comportamento religioso, mas sim entender por que eles entram em tensão com tal instituição ou tal meio. Nós constatamos que a prática muçulmana dos filhos de imigrantes e a diversidade cultural da sociedade que induz a demandas particulares são um problema para certas pessoas. Para elas, a reprodução da prática religiosa pelas gerações mais jovens é interpretada como um fracasso de integração. E embora esse fato social seja "normal" do ponto de vista sociológico e estabelecido entre as minorias, independentemente do país, para certas pessoas ele seria uma vontade político-religiosa de impor normas aos outros.

A islamofobia substituiu o racismo contra árabes?

Não. O racismo contra árabes não desapareceu; um não apagou o outro, pois origem e religião sempre estiveram ligadas na História.

Por que o termo islamofobia continua sendo complicado, fazendo com que algumas pessoas prefiram denunciar atos "anti-muçulmanos"?

Esse debate surgiu no Reino Unido em meados dos anos 1990, com a ideia de que lutar contra a islamofobia seria um meio de impedir qualquer crítica à religião e de atentar contra a liberdade de expressão. Na França, essa posição se tornou majoritária, sem um verdadeiro debate. A definição dada por Caroline Fourest em 2003, afirmando que a palavra havia sido forjada pelos mulás iranianos e que seria ferramenta de uma estratégia fundamentalista, foi prescritiva. O conceito, no entanto, surgiu no início do século 20 nos escritos de administradores-etnólogos na África…

Dito isso, o termo é imperfeito, mas a questão é sobretudo sua definição e seu uso. Assim como a noção de antissemitismo, a ideia é evitar fazer um uso liberticida disso impedindo qualquer crítica às religiões ou alegando crime de blasfêmia. Quando o Conselho Francês do Culto Muçulmano (CFCM) prestou queixa contra a publicação de caricaturas do Profeta, ele estava mais buscando fazer a associação entre a crítica ao islamismo e a estigmatização dos muçulmanos do que em defender a instauração de um crime de blasfêmia. Mas é muito difícil estabelecer esse laço juridicamente. Da mesma forma que é muito difícil definir declarações explicitamente islamofóbicas, pois muitas vezes elas se articulam com sexismo e racismo; logo, existe o risco de uma interpretação exagerada. Pudemos ver neste verão em Argenteuil e Trappes que o combate à islamofobia pode degringolar.

Em qualquer forma de mobilização existe uma pluralidade de militantes, de métodos e discursos diversos. No entanto, deve-se desqualificar a causa do combate à islamofobia? 

Quanto a uma eventual presença de grupos salafistas nessas lutas, certamente existe isso, mas constatamos que eles são pouco ativos no acompanhamento das vítimas, na gestão jurídica ou na produção de discursos sobre essa questão.

A partir de 2010, o Ministério do Interior passou a validar estatísticas sobre os atos anti-muçulmanos, e os ministros empregam a palavra islamofobia. O período de negação que vocês denunciam estaria se encerrando?

É verdade que certos jornalistas ou políticos que participaram da construção do "problema muçulmano" agora reconhecem a islamofobia. Outros, que participaram da desqualificação do termo, hoje reconhecem o "perigo do racismo anti-muçulmano". A porta-voz do governo empregou recentemente a palavra "islamofobia". François Hollande reconheceu a existência de um racismo anti-muçulmano. Essas mudanças ocorreram nos últimos meses. Elas têm a ver com um reconhecimento do fenômeno nas instâncias internacionais. Mas essa virada se deve sobretudo a relações de força e uma situação política. Alguns mudaram por não quererem se ver ao lado da extrema direita nas questões de laicidade e do islamismo. É esperar para ver. O fato é que por muito tempo houve uma discrepância entre o sentimento geral e uma certa miopia intelectual.

O paralelo entre a islamofobia e o antissemitismo se justifica?

É preciso ter cautela, mas vários trabalhos científicos fazem essas analogias. Os dois conceitos se baseiam em uma racialização dos indivíduos, na construção de um "problema", na criação de mitos conspiratórios (Eurábia ou islamização organizada da Europa para os muçulmanos) etc. Mas o grau de impregnação do antissemitismo na sociedade dos anos 1930 evidentemente não tem nada a ver com o fenômeno social da islamofobia na França hoje. O paralelo estabelecido por associações muçulmanas com o antissemitismo é também um meio de legitimar a luta contra a islamofobia, e existe o risco de em alguns casos haver precipitação nas comparações.

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