Teologia do petróleo no México – Por Enrique Krauze*

Em quase todos os países, a disponibilidade e a exploração de petróleo são essencialmente questões econômicas, em praticamente todos os países, com exceção do México, onde é uma questão de teologia secular. 

Para muitos mexicanos, a abertura do setor petrolífero aos investimentos privados é muito mais do que uma decisão prática: é um dilema existencial, como se permitir a entrada dos investimentos estrangeiros equivalesse a vender a alma do país.

Nas próximas semanas, o Congresso provavelmente se tornará uma espécie de conselho teológico para discutir a proposta sobre a chamada Reforma da Energia, apresentada pelo presidente Enrique Peña Nieto. 

A medida modificaria os artigos 27 e 28 da Constituição e favoreceria a assinatura de contratos entre o governo mexicano e as empresas privadas sobre a divisão dos lucros obtidos da extração de petróleo e gás, bem como de poços em águas profundas no Golfo do México. Também abriria a porta para a livre concorrência em toda a cadeia do setor: refino, transporte, armazenamento, distribuição e petroquímica básica.

Não podemos subestimar o significado histórico da proposta. Em 1938, o setor petrolífero foi nacionalizado e, em 1960, uma mudança constitucional atribuiu todo o controle da indústria à Pemex, um monopólio estatal.

A Reforma da Energia exigirá uma maioria de dois terços do Congresso. A principal oposição não virá das Câmaras do Congresso, mas das ruas, onde os protestos prometem tornar-se muito amplos e violentos. A oposição tem um líder carismático: Andrés Manuel López Obrador.

Derrotado nas duas últimas eleições presidenciais, ele pretende se candidatar pela terceira vez, em 2018. Não existe uma plataforma mais forte do que a ferrenha resistência a uma reforma que ele e milhões dos seus partidários consideram uma "traição à nação". Entretanto, os argumentos econômicos dessa rejeição são frágeis.

Segundo a oposição, a Pemex poderia explorar sozinha o Golfo do México e os depósitos de xisto, desde que o governo lhe garantisse a autonomia financeira para aumentar os seus investimentos. Ocorre que, nos últimos dez anos, o financiamento oficial à exploração de petróleo cresceu seis vezes (de US$ 4 bilhões para US$ 25 bilhões), sem grandes resultados.

É possível que, atualmente, os EUA estejam a caminho da autossuficiência energética, graças aos novos poços petrolíferos perfurados todos os anos no Golfo (cerca de 150) e há cerca de outros 10 mil de óleo e gás de xisto perfurados anualmente. 

A Pemex perfura apenas cinco poços petrolíferos por ano em águas profundas, e planeja somente 140 ao ano de gás de xisto. Por isso, o México precisa importar grandes quantidades de gás e gasolina.

Como explicar então a feroz oposição aos contratos com companhias privadas, que acabariam com o declínio da produção, modernizariam a indústria, criariam empregos, aumentando substancialmente os lucros auferidos do petróleo pelo Estado mexicano e promoveriam o crescimento?

A primeira razão é o controvertido sucesso da privatização no México. Quando Carlos Salinas de Gortari, que governou o país de 1988 a 1994, transferiu a propriedade de bancos, companhias de TV e de telefonia do Estado para empresas privadas, a conclusão geral foi que ele favorecera seus amigos, com amplos lucros para os novos proprietários, mas não para os consumidores. 

Entretanto, a Reforma da Energia não é um ato de privatização. Contrariamente ao que diz a oposição, nenhuma propriedade será transferida para as companhias envolvidas.

Uma segunda explicação, mais profunda e mais complexa, é a pressão do nacionalismo. A Constituição de 1917, produto de uma revolução social iniciada em 1910, equivaleu a um documento de fundação para o novo México. Seu artigo mais emblemático foi o 27º, que atribuiu à nação a propriedade dos recursos acima da superfície e do subsolo, que outrora pertenciam à coroa espanhola. 

Durante 20 anos, companhias petrolíferas britânicas, holandesas e americanas recusaram-se a reconhecer o Artigo 27 e operaram como enclaves extraterritoriais, manipulando seus livros contábeis e sonegando impostos. No dia 18 de março de 1938, depois de um conflito trabalhista, o presidente Lázaro Cárdenas estatizou a indústria. 

Seguiu-se uma reação popular espontânea. Para pagar as dívidas decorrentes da expropriação das companhias, mulheres ricas contribuíram com suas alianças de casamento, e as pessoas pobres com suas galinhas.

Desde então, os livros escolares, monumentos e cerimônias anuais celebram as medidas de Cárdenas como a restauração da honra nacional.

Mas uma terceira questão é a mais convincente: o medo de que o aumento das receitas petrolíferas eleve o grau de corrupção até alcançar o do último boom petrolífero do México, iniciado no fim dos anos 70, que levou a uma experiência traumática. 

Além da má administração da fartura e da elevação dos preços mundiais, o governo do PRI criou uma enorme burocracia que embarcou em projetos dispendiosos, contraiu gigantescas dívidas internacionais e acabou provocando a falência do país, com a desastrosa desvalorização do peso em 1982.

Com a oposição ainda absolutamente contrária à Reforma da Energia, a única maneira de o governo vencer esta batalha não será pelo debate teológico sobre a alma mexicana, mas pelo convencimento do cidadão mexicano comum de que a reforma poderá trazer resultados concretos, de que desta vez será diferente e a riqueza gerada de uma nova forma chegará às mãos dos seus supostos proprietários: os mexicanos, principalmente as dezenas de milhões mais necessitados.

*Enrique Krauze é historiador e diretor da revista literária 'Letras Libres'.






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