Alcance da imunidade tributária dos templos religiosos – Por Arnaldo Ricardo Rosim


Resumo

O presente estudo aborda o não suficientemente explorado tema da imunidade tributária que beneficia os templos religiosos. Traça-se inicialmente uma breve explanação sobre a imunidade tributária. Em seguida, explana-se rapidamente do tratamento conferido pelas Constituições pátrias que culminaram com a introdução da imunidade aos templos religiosos. Após, aborda-se o significado e outras questões relativas aos templos. Continua-se com o alcance dado aos dispositivos constitucionais que versam sobre a referida imunidade, culminando com a conclusão sobre a necessidade de que os valores obtidos pela entidade religiosa se destinem ao desenvolvimento de suas atividades essenciais para que venha a gozar das imunidades previstas no artigo 150, inciso VI, letra “b” o parágrafo 4º do mesmo artigo.

Palavras-Chave: Direito Tributário. Imunidade. Templo Religioso

Sumário: Introdução. 1. Imunidades Tributárias. 2. Breve análise do tratamento constitucional dado às religiões. 3. Templos religiosos. 4. Alcance da imunidade do artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal. 5. Alcance da imunidade do parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição Federal. Conclusão.

Introdução

A relevância do estudo das imunidades no Direito Tributário é indiscutível. Ao impedir a incidência de um tributo, sequer se pode dizer que houve a formação de uma relação jurídica tributária, pois a imunidade bloqueia a tentativa de imposição da tributação em seu nascedouro. A liberdade religiosa, valor protegido pela Constituição Federal em vários de seus dispositivos, tem como um de seus sustentáculos o benefício constitucional em favor dos templos religiosos. É sob a perspectiva de fomento da liberdade religiosa que o instituto se desenvolveu, devendo o intérprete buscar a máxima efetividade possível do Texto Constitucional no que refere às imunidades tributárias, mantendo uma relação harmônica com os demais pontos do Sistema Tributário Nacional.

1. Imunidade Tributária

Na conhecida lição de Paulo de Barros Carvalho (1995, p. 107).  a imunidade é o obstáculo colocado pelo constituinte que exclui o poder tributário das pessoas políticas, o qual impede a incidência da norma impositiva dos impostos, protegendo as situações, pessoas e fatos mencionados.

Ensina Hugo de Brito Machado (2009, p. 284), que a imunidade retira do âmbito do tributo limitando a atuação do legislador tributário.

As imunidades tributárias devem ser consideradas cláusulas pétreas, fazendo parte do núcleo intangível posto pelo constituinte. Conforme ensina Regina Helena Costa (2006, 70), buscam assegurar efeitos às normas constitucionais que garantem às liberdades de culto e de expressão, assim como o direito de acesso à cultura.

Doutrinou o Ministro Ricardo Lewandowski no Recurso Extraordinário 562.351 que, diversamente do modo como se apreciam as liberdades, as quais devem ser interpretadas ampliativamente, no tocante às imunidades, a interpretação a ser dada é restritiva.

2. Breve análise do tratamento constitucional relativo às religiões

A imunidade tributária constante do artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal não acompanha os Textos Magnos brasileiros desde o primeiro documento constitucional, qual seja, a Carta de 1824, sendo fruto da evolução nos menos de dois séculos do constitucionalismo brasileiro.

Deve ser ressaltado, em primeiro lugar, que o Brasil foi colonizado por Portugal, cuja matriz religiosa era o catolicismo. Consequência imediata foi a grande restrição à liberdade religiosa imposta pela metrópole, o que se refletiu na Carta outorgada pelo Imperador Pedro I em 1824, primeira Constituição brasileira.

Durante a vigência da Constituição Imperial, a religião católica era a oficial. Além dos diversos benefícios atribuídos à Igreja Católica, somente o culto doméstico ou particular poderia ser realizado pelos adeptos de outras religiões. Ademais, a arquitetura dos templos religiosos diversos da fé oficial foi objeto de limitação constitucional, não podendo tais espaços apresentar forma exterior de sua destinação.

Após a proclamação da República, primeiro pelo Decreto 119-A, de 07 de janeiro de 1890, mas principalmente, pela Constituição de 1891, foi eliminada a estipulação do catolicismo como religião oficial, bem como a arquitetura dos templos passou a ser livre. Não mais se permitiu a aliança ou relação de dependência entre a União ou Estados.  Além disso, restou impedida a intervenção do Estado na liberdade de culto religioso, seja criando embaraços ao seu exercício ou subvencionando suas atividades, inclusive permitindo a até então vedada aquisição de bens. Ressalta-se que o tratamento dado pela Constituição de 1890 foi mantido pelas subsequentes, o que denota o acerto do legislador constituinte republicano.

Porém, a inovação constitucional que deu ensejo ao presente estudo surgiu apenas na Constituição de 1946, sendo reproduzida nos documentos constitucionais posteriores.

A redação dos artigos que deram a imunidade aos templos nas diversas Constituições pátrias, basicamente são similares. O que variou no tempo foi a interpretação, o alcance dado aos dispositivos constitucionais pelos tribunais.

O escopo da atribuição da imunidade tributária aos templos é o de fomentar a liberdade religiosa, uma vez que não apenas os edifícios das principais entidades religiosas tenham a benesse, mas todas as religiões. Consequentemente, a não incidência de impostos sobre tais bens, além de garantir a impossibilidade do uso da tributação como forma de embaraço ao exercício das atividades religiosas, (CARRAZZA, 2000, p. 505) propicia a reversão das quantias que seriam devidas ao Estado para as atividades religiosas, propiciando o fortalecimento das instituições de caráter religioso e permitindo sua expansão.

3. Templos religiosos

O significado da expressão “templo religioso” merece atenção.
Na Roma Antiga, o “templum” era o lugar, normalmente aberto e elevado, onde se realizavam os cultos.

Em sentido estrito, templo é o local onde se pratica comunitariamente a fé. 

O Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 85.139, cujo relator foi o Ministro Thompson Flores, decidiu que a não incidência constitucionalmente qualificada somente seria levada a efeito com o funcionamento do templo, não se aplicando ao terreno destinado para sua construção.

Sob a égide da Constituição de 1946, em acórdão relatado pelo Ministro Ribeiro da Costa no Recurso Extraordinário 21.826, o Supremo Tribunal Federal entendeu que a imunidade prevista no artigo 31, 5, letra “b”, cuja redação era similar à atual, abrangeria a igreja, edifício e dependências, não sendo aplicável a lote de terreno isolado daquele onde localizado o templo. Assim, foi dada interpretação restritiva ao Texto Magno vigente à época.

O saudoso mestre Aliomar Baleeiro (apud FERREIRA FILHO, 1994, p. 103) lecionava que o templo religioso não se resume apenas à edificação, compreendendo ainda o próprio culto. Em sentido ainda mais amplo, o grande Roque Antonio Carrazza (2000, p. 505) defende que a referida imunidade alcança a igreja, entidade mantenedora do templo, bem como abrange outros bens imóveis que tenham relação com o fim institucional das religiões, como os denominados “anexos”, isto é, locais que viabilizam o culto, não empregados em fins econômicos.

O Supremo Tribunal Federal, agasalhando o entendimento acima, decidiu que a imunidade concedida aos templos abrange os imóveis que tenham relação com seu funcionamento e finalidade (Agravo de Instrumento no Agravo Regimental 690.712, Relator Ricardo Lewandowski). No Recurso Extraordinário 578.562, relatado pelo Ministro Eros Grau, assentou também que os cemitérios são considerados extensões de entidade religiosa, aplicando-se a imunidade prevista no dispositivo em comento para afastar a incidência do Imposto Predial e Territorial Urbano.

Em visão concorde com a Excelsa Corte, a Desembargadora Federal Vivian Josete Pantaleão Caminha, na Remessa de Ofício 200104010578424, sustentou que não apenas o templo, mas a própria instituição igreja, como um todo, estaria abrangida pela imunidade.

Em sentido contrário, na Apelação e Remessa de Ofício 00016025019944036100, o Juiz Federal convocado Miguel Di Pierro entendeu que à Mitra Arquidiocesana não se aplica a imunidade, por não se configurar templo, mas sim o bispado.

Acertado o posicionamento dominante. A imunidade referida não se restringe aos templos, meros edifícios onde praticada a fé. Neste ponto, não há como considerar correta interpretação enxuta mencionada por Lewandowski no acórdão contido na introdução a essas linhas, devendo ser entendido o dispositivo como aplicável à entidade religiosa como um todo.  

Roque Carrazza (2000, p. 506) sustenta que inclusive os centros espíritas, religiões com parcos adeptos, os templos positivistas e as lojas maçônicas seriam beneficiados pela imunidade constante do artigo 150, VI, “b”. No que se refere às últimas, o Pretório Excelso já decidiu, no Recurso Extraordinário 562.351, relatado pelo Ministro Lewandowski, pela impossibilidade de reconhecimento do privilégio, vez que não se professa nenhuma religião em seus templos, não obstante o voto divergente do Ministro Marco Aurélio, o qual atribuiu interpretação alargada ao conceito de religião, vislumbrando na maçonaria três elementos das religiões, quais sejam: a elevação espiritual, a prática de virtudes e profissão de fé.

Finalmente, ressalta-se a ilegitimidade da pretensão de se aplicar a imunidade deferida aos templos em favor de pessoa física considerada autoridade religiosa, a qual deixa de recolher tributos dos valores recebidos a título de consulta espiritual, como bem decidiu o Tribunal Regional Federal da 2ª Região nos Embargos Infringentes na Apelação Criminal 199951010455546, relatados pelo Desembargador Federal Abel Gomes.

4. Alcance da imunidade do artigo 150, inciso VI, alínea “b” da Constituição Federal

A Lei Maior é cristalina ao descrever que é vedada a instituição de impostos sobre os templos de qualquer culto.

Impostos são tributos não vinculados, ou seja, que tenham como hipótese de incidência um fato gerador decorrente da situação da vida do contribuinte, independente de específica atuação estatal. 

Não há que se falar na imunidade de impostos em favor dos templos, quando o tributo tem como sujeito passivo terceiro diverso da entidade religiosa, a qual é atingida pela tributação somente reflexamente. Tal fenômeno ocorre nos tributos indiretos, como o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços decorrente do uso de energia elétrica, transportes e serviços de telefonia, e Imposto sobre Produtos Industriais, tributo objeto da Súmula 591 do Supremo Tribunal Federal.

Na Apelação no Mandado de Segurança 9905422552, que tramitou perante o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, o Desembargador Federal Geraldo Apoliano asseverou que não incide o Imposto de Importação sobre a trazida do exterior de maquinário para confecção de hóstias, recebido em doação pela Igreja Católica Apostólica Romana, tendo em vista que a imunidade do artigo 150, VI, “b” impede a incidência de impostos no que toca a tudo que se relacione com o exercício da atividade religiosa, inclusive sobre os atos religiosos e bens que estejam a serviço do culto.

Em igual sentido, o Juiz Federal convocado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Wilson Alves de Souza decidiu, na Apelação 200001000596852, que a importação de equipamentos para a restauração de instrumento musical, qual seja, um órgão Schnitger, não sofre a incidência do Imposto de Importação, em razão da já muito referida imunidade.

Hugo de Brito Machado (2009, p. 284) entende atualmente que a imunidade, a fim de atingir seu escopo, não deve se limitar aos impostos, atingindo todas as modalidades tributárias.

Não se mostra razoável a interpretação ampliativa do termo “impostos”, a fim de considera-la como tributo, buscando abranger as demais espécies tributárias. Tal interpretação contraria frontalmente o posto pelo legislador constituinte no Texto Magno.

A jurisprudência esmagadoramente majoritária, de forma correta, repele o entendimento que a imunidade alcançaria as taxas. O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Ordinário em Mandado de Segurança 200502012192, relatado pelo Ministro João Otávio Noronha, ao tratar da Taxa de Incêndio considerou inaplicável a imunidade beneficiadora dos templos, por se tratar de espécie tributária diversa. No mesmo sentido, como fixado no voto condutor da Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria, nos autos da Apelação 200271010064980, decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região pela incidência da Taxa de Ocupação em imóvel localizado em terreno de marinha.

Não merece tratamento diverso a questão relativa à incidência de contribuições. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, na Apelação 200104010462914, de lavra do Desembargador Federal Alcides Vettorazzi, reafirmou a abrangência da imunidade constante da alínea “b” do inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal somente no que se trata de impostos, não abarcando as contribuições previdenciárias devidas pela entidade religiosa.

Igual afirmação se extrai da Apelação em Mandado de Segurança 00478015719994036100, relatado pela eminente Desembargadora Federal Cecília Marcondes, julgado no qual foi afastada a imunidade favorável aos templos no que tocava à incidência da extinta Contribuição Provisória sobre Movimentação ou Transmissão de Valores e de Créditos e Direitos de Natureza Financeira.

Deve ser salientado, contudo, que é considerada indevida a incidência de contribuição previdenciária relativa aos empregados no caso da construção do templo em regime de mutirão. Isto porque o fato gerador do tributo mencionado não ocorre, uma vez que não estabelecido o vínculo empregatício nos casos envolvendo trabalho voluntário, realizado para o bem comum. Corolário, não de se falar na imunidade referida, mas em não incidência pela falta do fato imponível. Esta a lição extraída do brilhante acórdão proferido na Apelação 200071040079434, oriundo da pena da Desembargadora Federal Maria Lúcia Luz Leiria.

5. Alcance da imunidade do parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição Federal

Como já notado pelo Ministro Gilmar Mendes no Recurso Extraordinário 325.822, o parágrafo 4º do artigo 150 funciona como vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI. O Ministro Eros Grau, em voto sucinto e lapidar no Agravo Regimental no Agravo de Instrumento 651.138, pontificou que a imunidade que beneficia os templos abrange não somente os edifícios, mas também a renda, patrimônio e os serviços ligados às atividades essenciais das entidades de caráter religioso. Tal julgado serviu como apoio a diversas decisões judiciais posteriores.

De fato, a mais perfeita interpretação da referida imunidade leva em consideração o disposto no parágrafo 4º do mesmo artigo.

O Ministro Luiz Fux, no Agravo Regimental no Recurso Extraordinário com Agravo 658080, reafirmando o entendimento corrente no Supremo Tribunal Federal, decidiu que o Imposto Predial Territorial Urbano não incide sobre terreno destinado a construção de templo, mesmo que não iniciada a edificação. Asseverou ainda que a revogação da imunidade prevista no artigo 150, VI, “b” e “c” somente pode acontecer se existentes provas de que o bem não será utilizado para as finalidades essenciais da entidade. Assim, discrepou o posicionamento adotado da antiga orientação da Corte.

A Desembargadora Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Tânia Terezinha Cardoso Escobar bem decidiu na Apelação no Mandado de Segurança 9404435597, que as operações financeiras realizadas no mercado aberto não são abrangidas pela imunidade sobre a renda, patrimônio e serviços das entidades religiosas, uma vez que não relacionados com suas atividades essenciais, considerando, assim, legítima a cobrança de Imposto sobre Operações Financeiras.

Carrazza (2000, p. 507) aponta que a imunidade não abrange atividades realizadas com intuito meramente econômico, mesmo que tais valores sejam destinados exclusivamente à manutenção do templo. Com efeito, aluguéis de imóveis, exploração de estacionamento, venda de itens religiosos ou produzidos por religiosos não são considerados para a obtenção do benefício constitucionalmente previsto. Discorda-se do ilustre mestre. O parágrafo 4º do artigo 150 da Constituição Federal garante a ampla imunidade tributária fomentadora da liberdade religiosa, pouco importando a origem dos valores, sendo imprescindível, porém, a destinação especialmente ligada às atividades religiosas.

Correta a lição de Renato Lopes Becho (2011, p. 478):

“a indigitada imunidade é, em princípio, objetiva, por ter sido direcionada aos templos. Todavia, o beneficiário é a instituição, a igreja, e a proteção inicial é ao culto e às demais atividades religiosas, que incluem atos pios, como os caritários.”

Conclusão

Ante o exposto, extrai-se que atualmente as imunidades tributárias relativas aos templos religiosos não se restringem aos edifícios propriamente ditos, aplicando-se às entidades religiosas, como um todo. Contudo, é indispensável que se reconheça que a destinação a ser dadas às rendas, patrimônios e serviços das entidades religiosas é fator determinante para a configuração ou não do privilégio constitucional imunizante, sendo imperiosa a reversão dos valores obtidos para a consecução de suas atividades essenciais se pretende o ente religioso ser alcançado pelos favores constitucionais tributários.

Referências

BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 15ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
COSTA, Regina Helena. Imunidades Tributárias. 2ª ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira de 1988, vol. 3. São Paulo: Saraiva, 1994
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 30ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009.

Informações Sobre o Autor

Arnaldo Ricardo Rosim
Analista Judiciário na Justiça Federal de Primeiro Grau em São Paulo. Especialista e Mestrando em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo




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