Tunísia marca terceiro ano da revolta popular que deu início à Primavera Árabe - Por Esther Solano Gallego e Everlam Elias Montibeler

A Tunísia comemorou nesta terça-feira o terceiro aniversário da revolução que pôs fim ao regime autocrático de Zine El Abidine Ben Ali. 

Uma liberdade súbita, abrupta, que trouxe uma transição muito complicada (afinal, desde sua independência, em 1956, os tunisianos não conhecem o que significa construir cotidianamente uma democracia).

Essa mesma liberdade desembocou numa tremenda dualidade, com polarização na Assembleia Constituinte, que está no processo final de redigir uma nova Constituição, e nas ruas. A religião está no coração da polêmica. Os debates são acirrados quando se trata do papel do Islã na nova trajetória política do país.

As ruas da capital amanhecem organizadas entre adeptos de Ennahda (partido islâmico que tem maioria no Congresso) e coalizões de partidos de esquerda contrários à presença do Islã na vida institucional do país. 

A emblemática avenida Habib Bourghiba confronta os dois grupos gritando uns com os outros, num ambiente tenso, sem diálogos nem consensos possíveis porque falam línguas políticas divergentes.

Jovens, crianças, homens, menos mulheres (as ruas e os cafés ainda têm rosto masculino), bandeiras da Tunísia, bandeiras do Egito (Ennahda tem raízes islâmicas como a Irmandade Muçulmana egípcia), gritos de Allahu Akbar (Allah é grande), clamores sobre o profeta Mohammad o sobre a importância do Islã frente a expressões contrárias como “Fora a Irmandade Muçulmana, abaixo Al-Nahda!” Muita polícia, arames farpados nos principais edifícios formam parte do quadro geral.

Fátima, uma menina com véu, me conta: “Somos do Ennahda porque, para nós, a política forma parte da religião, não tem como a separar. O Ennahda fez o melhor que pôde, nenhum outro partido poderia ter feito melhor, é um momento difícil, depois de uma revolução, a transição, mas não é culpa deles.”

De outro lado, os desencantados, os que votaram nos islamitas, em parte pela escassa opção política, mas que agora se sentem defraudados, enganados (segundo contam) porque não querem a religião imiscuindo em assuntos de Estado e frustrados pela ausência de um programa de governo: 

“A religião é de cada um, não tem que estar na política. Somos um país muçulmano, mas não queremos fundamentalistas no governo. O Ennahda é uma grande frustração. Eu votei neles, pensando que poderiam melhorar, mas tem sido um desastre, falta de segurança, inflação...”

Cada grupo tem seus mártires e os exibe. Uns morreram nas ruas durante os protestos de janeiro de 2011, outros, líderes dos que hoje são partidos de oposição, foram assassinados anos depois (contam os tunisianos, com suspeita de intervenção indireta dos islamitas nos atentados).

O país ganhou liberdade, mas o presente é turbulento e o futuro, incerto. Alguns falam com esperança, outros com desilusão porque os objetivos do 14 de janeiro de 2011 não foram atingidos.

Tomando um café com Walid, um jornalista, ele expressa o sentimento de muitos: “Com Ben Ali essa conversa teria sido impossível, acabaríamos todos na cadeia, mas tampouco queremos fundamentalistas, aqui, pagos pelo Catar e influenciados pelos Ijuan (Irmandade Muçulmana).”

A praça mais importante da Tunísia (antes 7 de novembro em comemoração ao dia que Ben Ali assumiu o poder, rebatizada hoje como 14 de janeiro) é símbolo de uma revolução que juntou o povo tunisiano nas ruas, mas que os fragmentou meses depois.

A Tunísia enfrenta seu maior desafio, um muito maior do que derrocar Ben Ali, erguer um futuro no qual todos possam participar. Por enquanto, não está sendo fácil, as ruas que o digam.

*Esther Solano Gallego. Professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo.

**Everlam Elias Montibeler. Professor de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.





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