31ª Bienal foca presente, com política, sexo e religião - Por Maria Carolina Maia

Obras como ‘Inferno’, vídeo em que artista ‘implode’ o Templo de Salomão, e a Linha do Tempo da Sexualidade Peruana, do Museu Travesti do Peru, são destaques. 

Ponto fraco é o tom panfletário de algumas peças.

Considerado o principal evento de arte da América Latina, a Bienal Internacional de São Paulo teve a sua figura de proa questionada em anos recentes, inclusive por ela mesma, que abordou a questão na chamada Bienal do Vazio, em 2008, quando deixou todo um andar desocupado no Pavilhão do Ibirapuera. 

Como parte dessa discussão, o evento repensou o seu foco, que vem recaindo mais sobre o presente, na busca por mapear a produção que é feita hoje no Brasil e no mundo. Foi esse o olhar da equipe de curadores à frente desta 31ª edição da mostra, que reúne 81 projetos e um total de 250 trabalhos. 

Mais do que nomes de grande artistas (que praticamente não existem), se sobressaem tópicos como religião, política e sexualidade, ainda mais atuais em tempos de beijo gay na TV, protestos nas ruas e eleições. A mostra abre as portas neste sábado e segue até 7 de dezembro, com entrada gratuita.

“Como (...) Coisas que Não Existem”, tema da Bienal deste ano, manifesta esse interesse da equipe curatorial por investigar o presente que é descrito, pelo grupo formado pelo britânico Charles Esche, pelos israelenses Galit Eilat e Oren Sagiv e pelos espanhóis Pablo Lafuente e Nuria Enguita Mayo, como um período de transição, em que velhas formas estão sendo abandonadas para dar lugar a novas, ainda não delimitadas com precisão.

Dessa busca por obras que reflitam o presente, que consumiu cerca de dezoito meses, surgem trabalhos interessantes como Inferno, vídeo em que a artista israelense Yael Bartana “implode” o Templo de Salomão erguido pela Igreja Universal do Reino de Deus na cidade de São Paulo, numa referência aos dois templos de Salomão originais, que foram destruídos em Jerusalém, em 584 a.C. e em 64 d.C.

Há também trabalhos interessantes sobre sexualidade, como a série de faixas “Não-Ideias”, de Marta Neves, com microcontos como “C. nunca teve ideia de como abordar sexualmente seu ex-professor de economia e atual prefeito. E amarga até hoje sua vida de homossexual solitário”, espalhados pelo evento. 

E a Linha do Tempo da Sexualidade Peruana, do Museu Travesti do Peru, que contrapõem passagens da Bíblia a relatos dos primeiros europeus a conhecer os incas, além de elementos andróginos da cultura ancestral do país e uma nossa senhora travesti, dispostos em uma linha que termina em um círculo, como a indicar que tudo é circular.

Mas há também, parece que ao preço de corresponder à busca dos curadores, coisas que soam quase panfletárias. É o caso da série sem título de retratos de detentos de Belém feitos por Éder Oliveira, pintados em tamanho gigantesco em uma das paredes do pavilhão do Ibirapuera, e de Martírio, do maranhense Thiago Martins de Melo, que presta uma homenagem a mártires amazônicos com esculturas que reúnem cabeças decepadas e metralhadoras de plástico. Menos óbvio, impossível.

Uma obra de arte rejeita explicações, elas reduzem e empobrecem a obra. Ela se abre para as diferentes visões de quem a interpela. O problema de uma boa parte dos projetos desta 31ª Bienal é que a explicação existe e não só nas entrelinhas, o que seria razoável. Ela é explícita, obstruindo outras possíveis interpretações.

Controvérsia

Discussão de verdade, mesmo assim pouco acalorada, foi a que houve na semana passada entre a Fundação Bienal e um grupo de participantes que se uniu para protestar contra o patrocínio de 90.000 reais dado à Fundação Bienal pelo Consulado de Israel. 

A questão de pano de fundo foi a guerra entre Israel e Palestina. Houve até ameaça, da parte desses artistas, de boicote ao evento, que tem orçamento total de 24 milhões de reais.

De acordo com o presidente da Fundação Bienal, Luís Terepins, que tenta tirar a instituição da crise financeira em que ela mergulhou nos últimos anos, uma simples conversa com os artistas bastou para esclarecer a política de patrocínio e garantir a participação de todos.


“Existem patrocínios internacionais historicamente dados à Bienal pela participação dos artistas dos respectivos países. Nesta edição, foram 21 apoios internacionais, entre eles Espanha, Turquia, França e Israel. Todos os patrocínios à Bienal foram honrados. Nada mudou na política de apoios à instituição”, disse Terepins, em nota enviada ao site de VEJA. 

Segundo ele, a Bienal não vai mudar sua política de financiamento. “Esses apoios internacionais são muito importantes para a exibição e muito bem-vindos pela instituição. Vão continuar existindo.”



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