«O terror de inspiração religiosa está a aumentar»


A violência cometida em nome da fé generalizou-se e está a aumentar, conclui um relatório internacional sobre liberdade religiosa, que regista perseguições graves ou moderadas em 81 dos 196 países avaliados. 

A edição de 2014 do relatório bianual da organização católica Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS) analisa a situação da liberdade religiosa no período entre outubro de 2012 e junho de 2014 e concluiu que esta "entrou numa fase de declínio grave". 

A avaliação da AIS, cuja versão portuguesa será apresentada esta terça-feira na Assembleia da República, confirma a "impressão inevitável", criada pelas notícias sobre violência em nome da religião, de que "o terror de inspiração religiosa não só está generalizado como está a aumentar". 

Afeganistão, República Centro-Africana, Egipto, Irão, Iraque, Líbia, Maldivas, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Síria, Iémen, Birmânia, China, Eritreia, Coreia do Norte, Azerbaijão e Uzbequistão são os piores países em matéria de liberdade religiosa.

Classificados como locais de perseguição religiosa "elevada", nos primeiros 14 países as perseguições estão relacionadas com o extremismo islâmico, enquanto nos restantes seis surgem ligadas a regimes autoritários.

Oitenta e um dos 196 países (41 por cento) são identificados no relatório como locais onde a liberdade religiosa é perseguida de forma grave ou está em declínio e, em 55 destes (28 por cento), as condições de liberdade religiosa pioraram em relação à avaliação anterior.

Outros 35 países (18 por cento) foram classificados como tendo problemas "preocupantes" de liberdade religiosa, mas a sua situação em matéria de liberdade religiosa manteve-se.

Nos restantes 80 países (41 por cento), nos quais se integra a quase totalidade dos países lusófonos incluindo Portugal, não foram encontradas "violações regulares ou sistemáticas à liberdade religiosa". 

Os progressos em matéria de liberdade religiosa registaram-se em apenas seis países, Cuba, Emirados Árabes Unidos, Irão, Qatar, Zimbabué e Taiwan, mas, mesmo nestes, foram insuficientes para melhorar a sua situação face à avaliação anterior, considera o relatório.

Os cristãos são o grupo religioso mais perseguido, mas o relatório regista também perseguições a grupos minoritários muçulmanos e o aumento das ameaças e violência sobre as comunidades judaicas em algumas zonas da Europa ocidental. 

O relatório assinala ainda o "declínio da tolerância, do pluralismo e do direito à autodeterminação" religiosas, considerando que são direitos "ameaçados em quase todo o lado". 

No Médio Oriente, o estudo aponta além da perseguição das minorias religiosas, o aumento dos estados uniconfessionais, o que está a provocar "deslocações populacionais extremamente elevadas". 

O estudo identifica também ameaças à liberdade religiosa nos países ocidentais historicamente cristãos devido a divergências sobre o papel público da religião e ao aumento da preocupação social com o extremismo religioso.

"Os países da Europa Ocidental [...] estão a tornar-se mais parecidos com as sociedades multiconfessionais e diversificadas do Médio Oriente. Isto está a gerar tensões, tanto políticas como sociais", adianta o relatório.

A AIS considera que o relatório identificou "tendências perturbadoras" em matéria de liberdade religiosa e adianta que a responsabilidade de combater a violência e a perseguição pertencem "em primeiro lugar às próprias comunidades religiosas". 

"A necessidade de todos os líderes religiosos proclamarem em voz alta a sua oposição à violência de inspiração religiosa e de reafirmarem o seu apoio à tolerância religiosa estão a tornar-se cada vez mais urgentes". 

O extremismo islâmico 
 
O extremismo islâmico já é uma ameaça real nos países ocidentais, conclui o mesmo relatório, sublinhando o papel das redes sociais na propagação geográfica do fundamentalismo e o ódio religiosos.


"O extremismo, popularizado através do Facebook, do Twitter, de salas de conversação e outras redes sociais, é de tal forma que o ódio religioso pregado num país distante rapidamente se transforma numa preocupação local".

"A comunicação social ocidental destaca cada vez mais as preocupações com a crescente ameaça para o ocidente da atuação da geração jihad em solo nacional. Ataques esporádicos de indivíduos radicalizados contra comunidades religiosas específicas no Ocidente [...] confirmam que esta ameaça de facto já existe. A manifestação mais óbvia disto é o recrutamento de pessoas do ocidente para se envolverem em conflitos no Médio Oriente".

Nos países ocidentais, "está a ganhar terreno" a perspetiva de que a religião gera os piores aspetos da humanidade, enquanto no Médio e Extremo Oriente emergem os estados de confissão religiosa única.

"O surgimento do Estado Islâmico é o exemplo mais óbvio desta situação", adianta o relatório, apontando o exemplo da cidade iraquiana de Mossul, onde viviam 30 mil cristãos, e onde atualmente não vive um único.

Os cristãos na Síria diminuíram de 1,75 milhões no início de 2011 para pouco mais de 1,2 milhões no verão de 2014, uma quebra de mais de 30 por cento em três anos, refere o documento.

O relatório assinala, no entanto, que o grau de opressão religiosa nas democracias ocidentais se mantém baixo, apesar de existirem "tendências genuinamente preocupantes".

"Sobretudo em relação a assuntos como escolas religiosas, casamento homossexual e eutanásia, há um conflito crescente entre perspetivas religiosas tradicionais e o consenso liberal progressista. Enquanto a opinião dominante admite que os crentes devem, no mínimo, ser livres de praticar a sua fé em privado, há cada vez menos concordância sobre o quanto essa fé deve ser autorizada a manifestar-se na sociedade em geral".

O estudo destaca ainda a necessidade de "um entendimento mais completo e sofisticado das motivações religiosas" no Ocidente, adiantando que "a iliteracia religiosa dos decisores políticos ocidentais está a criar uma enorme barreira de entendimento entre o ocidente e outras partes do mundo". 
 
Os países lusófonos 
 
A situação da liberdade religiosa deteriorou-se em Angola e o país é o único lusófono a integrar a lista dos estados com piores registos de perseguições motivadas pela fé.

Apesar de reconhecer que em Angola as igrejas "têm total liberdade para evangelizar, dar catequese e gerir instituições como rádios e publicações escritas", o relatório dá conta de que alguns grupos religiosos minoritários se queixam do "favoritismo para com a Igreja Católica". 

O relatório destaca igualmente queixas de "discriminação governamental e propaganda negativa" por parte da comunidade muçulmana.

O estudo destaca ainda a "ridicularização pública" e os "ataques em campanhas de sensibilização oficiais" a algumas práticas animistas, descritas como feitiçaria, e a vandalização de santuários e imagens católicas por elementos ligados a grupos evangélicos.

O relatório manifesta ainda alguma preocupação com a situação da liberdade religiosa no Brasil, onde, em 2012, foram registados 109 incidentes de perseguições e discriminação por motivos religiosos.

Nos restantes países lusófonos, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Portugal, o relatório não regista tensões religiosas relevantes.

Na Guiné Equatorial, que recentemente se tornou membro efetivo da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), a situação da liberdade religiosa mantém-se "preocupante".

"Em termos do quadro legal, não houve mudanças significativas em relação à liberdade religiosa. Contudo, na prática, esta liberdade tem de ser vista no contexto da repressão política mais alargada e da falta de respeito do Governo pelos direitos humanos básicos".


O cristianismo, nomeadamente o catolicismo e o protestantismo, é a religião maioritária no bloco dos países lusófonos, exceto na Guiné-Bissau onde os muçulmanos representam mais de 45 por cento da população e as religiões tradicionais cerca de 30 por cento.



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