Em Manaus, muçulmanos e judeus convivem em harmonia – Por Luana Carvalho



Comunidades muçulmanas e judaicas escolheram Manaus para criar laços históricos de amizade que datam da colonização da Amazônia e que nem o atentado extremista ao jornal francês Charlie Hebdo e seus efeitos pelo mundo foram capazes de estremecer.

Nascido no Mali, o muçulmano Lassana Bathily, de 24 anos, trabalhava no supermercado tomado pelo terrorista Amedy Coulibaly, no dia 9 de janeiro, na França, quando salvou um grupo de judeus, abrigando-os na câmara frigorífica do estabelecimento e saindo para procurar ajuda.

No Amazonas, o comerciante Ali Bawab, 47, manauara descendente de árabes, conta que as boas relações históricas dos muçulmanos com as comunidades judaicas sempre existiram.  

Excetuando os religiosos extremistas, o médico e sacerdote da sinagoga judaica de Manaus, Isaac Daham, compartilha a mesma opinião e afirma que povos das duas religiões encontraram, aqui, um “território da paz”.

“Os judeus e árabes participaram da colonização da Amazônia. Pegaram malária e hepatite juntos, muito antes do ciclo da borracha. Era uma relação de irmandade e fraternidade. Você não encontra nenhuma família judaica e árabe antigas que não sejam amigas”, comentou Daham.

Os israelistas imigraram para a região por volta de 1810, vindo em sua maioria do Marrocos “em busca de uma terra sem males”, conforme explica o oficiante religioso. 

“Os judaicos vieram em busca de uma terra onde pudessem trabalhar, dar educação para os filhos, onde não sofressem perseguição e tivessem sua liberdade para rezar aos sábados”. 

Atualmente a comunidade judaica em Manaus é formada por aproximadamente 200 famílias.

Já os primeiros muçulmanos chegaram no Amazonas em meados do século 19, com as grandes levas de árabes oriundas de países do Oriente Médio, sendo a maioria do Líbano e Síria. 

No século seguinte, a comunidade começou a crescer com a chegada dos muçulmanos vindos da Palestina

Existem pelo menos 10 mil árabes vivendo no Amazonas, conforme levantamento feito pelo Centro Islâmico do Amazonas, inaugurado em 2012.

“Não foi difícil crescer em um país ocidental porque antes você não ouvia falar tanto em segregação religiosa como se fala hoje. Atualmente parece que há uma tendência de querer diferenciar as religiões. Nós sabemos que tanto a religião muçulmana, quanto a cristã e judaica são monoteístas, acreditam em um Deus único e não há diferenciação. Têm o mesmo pai, a mesma origem, o mesmo início”, declarou Ali Bawab.

Para os religiosos mais radicais, a discórdia e conflitos podem até ter fundamentação religiosa e não apenas territorial. Mas Ali e Isaac são provas de que o ódio não pode ser generalizado. 

“Os extremistas deturpam o que o Alcorão prega, eles acham que o que estão fazendo é correto, mas não podemos confundir esse tipo de radicalismo com a religião”, opinou Ali.

Em relação aos recentes ataques na França, Isaac Daham diz que não se pode culpar o Islã. 

“Essa radicalização complica e muita gente começa a ficar com raiva de todos os muçulmanos, mas não é assim. Não se pode culpar o Islã por causa disso”.

Os conflitos podem ficar mais constantes?

‘Infelizmente, por insatisfação e desvio de conduta, essas alas que estão se radicalizando estão crescendo, pegando jovens desencantados. Há alguns dias um garoto de 10 anos se explodiu na Nigéria. Outro dia o estado islâmico divulgou um vídeo de um garoto executando dois homens acusados de trabalhar para o serviço secreto russo.  Do outro lado, eu vejo que a cultura ocidental fica mais acomodada em relação às charges. A charge é direito de expressão, mas tem gente que assimila melhor. O povo judeu também é um dos principais alvos dessas charges, e nenhum judeu saiu matando. É preciso usar os meios legais de cada país para inibir os atos ofensivos, sem violência. Isso não significa fazer diálogo com pessoas radicais. Eles não aceitam diálogos, não olham para outro lado. Para os radicais, se você não for daquele grupo, é infiel e é morto. Então tem que achar uma forma de combater isso, prender, julgar, não deixar jovens serem levados para esse lado. O jovem já tem uma revolta por si só. Agora com as novas gerações, redes sociais, o ódio vai sendo fomentado. Tem que existir a lei para amparar tudo isso, e para julgar e punir, porque os extremistas não vão parar”.

Qual sua impressão sobre os atentados na França?

“As charges (do Charlie Hebdo) foram de mau gosto, considero esse jornal como radical, porque ele ataca, faz um tipo de brincadeira que tem gente que ri e tem gente que acha de mau gosto. Não se brinca com religião de ninguém, mas isso não justifica o radicalismo. Existem outros meios de protestar. Às vezes a política e a religião ficam muito próximas, existem pessoas que têm o dom da palavra, são religiosas e são ouvidas: aí vem a questão do radicalismo. Tanto de um lado, quanto do outro. Existe o radicalismo de alguns, em relação à parte judaica, mas tem o outro lado que sempre viveu em harmonia desde a antiguidade. Existe a parte radical e tem o outro lado que quer conviver em paz. O que não pode haver na mídia é a colocação da ideia de que um povo inteiro é contra uma religião. São cabeças, pessoas que divergem e não aceitam a ideia da outra. O mundo está caminhando em uma direção que, se o Estado como um todo não intermediar, não promover diálogo, pode escambar para esse tipo de segregação. Com isso, a intolerância tende a aumentar, mas não se pode julgar uma religião inteira de mais de 10 milhões de muçulmanos por atos impensados de alguns grupos”.





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