Religiões e religiosidades – Por Perly Cipriano


O Estado Brasileiro é laico, não tem nem pode ter religião, mas tem o dever de assegurar e garantir a liberdade religiosa, incluindo o direito de não ter nenhuma religião. 

Artigo 5, inciso VI da Constituição: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantia na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias”.

No ano 2003, quando assumi a subsecretaria de Promoção de Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH/PR), recebi um grupo de representantes de religiões de matriz africana. Os grupos vinham de seis estados: Bahia, Sergipe, Alagoas, Minas Gerais São Paulo e Rio de Janeiro. Procuravam na Secretaria uma parceria para o enfrentamento da intolerância religiosa, principalmente contra as religiões de matriz africana.

Protestavam contra invasões, apedrejamentos, e destruições de locais de cultos e oferendas, além de ameaças, discriminações em locais públicos, impedimento de ingressar em presídios e hospitais. Além da maneira discriminatória como eram tratadas pela mídia, e mesmo no ensino religioso dentro das escolas.

Da reunião, saiu o compromisso da SEDH de constituir um grupo de trabalho para discutir e produzir com outras religiões como enfrentar o preconceito e a intolerância não apenas entre as religiões e crenças. O grupo inicial teria que ser amplo, iria produzir uma metodologia e um texto que servisse de base para atuação da SEDH, com temática religiosa.

Contribuíram nesta etapa: Comissão Ecumênica Nacional de Combate ao Racismo-CENACORA, centro Nacional de Africanidade e Resistência-CENARAB, Conselho Nacional de Igreja Cristãs-CONIC, Centro de Referência à Discriminação Religiosa-CRDR, Conselho Nacional de Ensino Religioso-CONAR, Iniciativa das Religiões Unidas-URI. Com apoio do Ministério das Relações Internacionais-MRE e Secretaria para Promoção da Igualdade Racial-SEPIR. Além da inestimável colaboração do reverendo Antônio Sant’Ana, do rabino Sobel, do sheik Hassan Jihad.   

O escritor e jornalista José Rezende, capixaba de Colatina, produziu a primeira síntese, que foi revisada inúmeras vezes até os produtos finais, “Cartilha Direitos Humanos e Diversidade Religiosa” e o CD com o mesmo título. A partir do primeiro texto, iniciamos a uma nova rodada, desta vez mais ampla, com diferentes religiões e recebemos muitas contribuições, por escrito ou colhidas em reuniões nos estados e por meio magnético.

A pós a conclusão do trabalho, escolhemos dia 21 de janeiro que é o Dia Mundial da Religião e Dia Nacional do Combate à Intolerância Religiosa (Lei11635/2007), para o lançamento da Cartilha e do CD, no saguão do Edifício do Ministério da Justiça, onde também funcionava a SEDH. 

O Evento contou com a presença do então ministro Nilmário Miranda, e de muitos parlamentares, bem como representantes de mais de 60 diferentes religiões e tradições, quase todos com suas paramentarias características. Hoje a Cartilha e o CD estão traduzidos para o inglês, espanhol, francês e serve de referência para eventos e encontros e uso nas escolas.

Por iniciativa da SEDH e atendendo convites do poder público e da sociedade civil, estivemos em muitos estados, difundindo a Cartilha e o CD, discutindo o conteúdo, criando fóruns interreligiosos e instrumentos para o diálogo em defesa da convivência respeitosa e o combate a todas as formas de intolerâncias religiosas.

Esses instrumentos foram lançados no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS), contou com a presença de representantes dezenas de países e no Fórum Mundial da Espiritualidade, onde foi distribuído para os delegados e convidados e debatido em diversas mesas de trabalho.  

Em Campina Grande (PB), no evento da Nova Consciência, onde centenas de atividades, promovidas por igrejas, movimento sociais, povos tradicionais, ONGs, durante o período do Carnaval, se reúnem pela Paz. Com diferentes atividades culturais, religiosas, onde danças, artes e celebrações de cunho religioso e atividades de convivência pacífica se fazem presentes.

Em parceria com a União Planetária e URI estabelecemos um convênio criando o Centro de Referência da Diversidade Religiosa e Direitos Humanos, que continua em funcionamento. Hoje na Secretaria Nacional de Direitos Humanos/PR foi criada a Coordenação da Diversidade Religiosa e Direito Humanos, que dá continuidade a essa importante frente de atuação com inúmeras parcerias nos Estados.

A criação de Fóruns Interreligiosos é produto deste trabalho, um bom exemplo é Fórum pela Liberdade Interreligiosa Contra a Intolerância, do Espírito Santo, um dos primeiros no Brasil.

Consta do Programa Estadual de Direitos Humanos-PEDH, aprovado e publicado no Diário Oficial do Estado, a proposta para criação de uma Coordenação da Liberdade Religiosa e de um Conselho da Diversidade Religiosa. Acreditamos que medida reduziria em muito as manifestações de intolerância e de discriminações por motivações religiosas.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura