Teólogo denuncia que ‘sacerdotes de João Paulo II’ freiam mudanças na Igreja – Por Marcela Belchior


Com a realização da Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, apesar das expectativas geradas após um longo trabalho de pesquisa junto à comunidade católica do mundo inteiro, não haverá mudanças teológicas profundas na Igreja, no que diz respeito à sua concepção e às doutrinas relacionadas à família. 

Para Hector Torres, sociólogo, teólogo colombiano e colunista de Adital, devemos, entretanto, reconhecer avanços no "fazer Igreja”, experimentado pelos bispos presentes no Sínodo, concluído no último dia 25 de Outubro, no Vaticano.

"O Papa insistiu e conseguiu que os bispos perdessem o medo de dizer o que pensam. Chamou muito a minha atenção que, nas coletivas de imprensa, os bispos estavam entusiasmados porque o Papa lhes havia feito um chamado a falarem com toda a liberdade. Isto já produziu mudanças e continuará produzindo”, explica Torres.

Também teria ficado a consciência entre os bispos de que o mundo mudou e a Igreja precisa acompanhá-lo. "Aos padres sinodais o Papa disse, palavra mais, palavra menos: o mundo mudou e nós devemos mudar”.

Para Torres, as resistências às mudanças ocorrem por se ter no seio da Igreja um grupo eclesial conservador e muito forte. Entretanto, a Igreja respira novos ares, que devem gerar frutos no futuro. "As resistências maiores têm a ver com o medo de modificar a Teologia clássica sobre o matrimônio e com um possível abandono da Tradição em questões matrimoniais. Confundem o Evangelho com Teologia. A Teologia muda. O Evangelho permanece”.

Confira a entrevista exclusiva concedida a Adital.

Adital: A mensagem do Papa conseguiu alcançar avanços durante o Sínodo? Que tipos de resistência à mensagem de Francisco a respeito da família há no Vaticano, hoje?

Hector Torres:Para entender se houve ou não avanços na Teologia da família, é preciso ver a questão em um conjunto, em que intervêm vários fatores. Menciono dois. Um, o Papa não é um homem "progressista”, no sentido que muitos gostaríamos, mas tem uma ideia clara de que deve haver mudanças. Aos padres sinodais ele disse, palavra mais, palavra menos: o mundo mudou e nós devemos mudar. E dois: que se deve saber "manejar” a direita eclesiástica e a política internacional de "direita”, quer dizer, neoliberal, dentro e fora das muralhas do Vaticano, porque há alianças não santas. "Direita”, "tradicionalistas” ou "rigorosas”, como chamam os analistas, é um setor que freia, é muito forte e possui aliados no mundo do capital. A prova desta última afirmação é tudo o que vinha sucedendo dentro do Instituto para as Obras de Religião (IOR), o Banco Vaticano. "Lavava” capitais de magnatas e do narcotráfico! Guardava grandes riquezas de eclesiásticos. Dois fatos fortes, durante o Sínodo, provêm destas "direitas”: a carta dos 13 cardeais e a falsa notícia publicada, segundo a qual o Papa teria um tumor no cérebro. A mensagem subentendida: o Papa já não tem capacidade de pensar, já não pode dirigir a Igreja, o que diz não tem coerência...

Francisco não pode dar passos rápidos sozinho, mesmo que ele tenha esse poder que lhe concede, teoricamente, a Teologia clássica, já que muito poucos bispos e sacerdotes lhe acompanhariam. Uns e outros têm a inteligência e o coração em João Paulo II. Se [Jorge Mario] Bergoglio [o Papa] quer que "seu projeto” eclesial perdure, deve saber escolher bem os candidatos ao episcopado. E pedir-lhes que saibam escolher os jovens para o sacerdócio. Isso foi o que fez João Paulo II: "seus” bispos e "seus” sacerdotes, que hoje freiam as mudanças.

Adital: Podemos afirmar que houve avanços?

Sim. Não nas questões teológicas que envolvem a família, mas, sim, na metodologia que utilizada, ou seja, colocar os bispos para "ensinarem” uns aos outros. A falarem "com toda a liberdade” e a escutarem razões e argumentos, de uns e de outros, "com respeito”. O Papa insistiu e conseguiu que os bispos perdessem o medo de dizerem o que pensam. Me chamou muito a atenção que, nas coletivas de imprensa, os bispos estavam entusiasmados porque o Papa lhes havia feito um chamado a falarem com toda a liberdade. Isto já produziu mudanças e continuará produzindo. Nas convicções e nas ideias dos bispos. Serão vistos os frutos. Escutar diferentes argumentos e razões move as inteligências, as consciências e os corações. Em nenhum Sínodo, sob a era João Paulo II-Bento XVI, havia acontecido tal coisa. Sempre houve medo de falar. Recordemos que, sob esse comprido pontificado, cerca de 200 teólogos e teólogas do mundo inteiro foram chamados pela "inquisição”, que chefiou muito bem [cardeal alemão Joseph] Ratzinger [o Papa emérito Bento XVI], durante cerca de 20 anos. No meu entendimento, uma das razões pelas quais o cardeal [alemão Ludwig] Müller está chateado – e está como cabeça da "oposição” cardeal e episcopal ao Papa – é porque não pode exercer uma "inquisição” em tempos da "misericórdia” do Papa Bergoglio.

Adital: Que tipos de resistência à mensagem de Francisco sobre o tema família há no Vaticano, hoje? Quais os principais pontos em debate?

As resistências maiores têm a ver com o medo de modificar a Teologia clássica sobre o matrimônio e com um possível abandono da Tradição em questões matrimoniais. Confundem Evangelho com Teologia. A Teologia muda. O Evangelho permanece. Os principais pontos do debate foram a indissolubilidade do matrimônio homem-mulher, a comunhão aos divorciados, a aceitação de formas cada vez mais utilizadas de convivência entre as pessoas, como a união livre, a coabitação pré-matrimônio, o concubinato, as relações sexuais fora do casamento, o uso de anticonceptivos...

Na prática, quais foram as principais mudanças impulsionadas pelo Sínodo?

O acesso à comunhão dos divorciados, que, agora, está nas mãos dos bispos e dos párocos, para que exerçam sua capacidade de misericórdia, com "discernimento”.

Como podemos avaliar as conquistas do Sínodo?

Nesse momento, no curto prazo, impossível. Participaram apenas 250 bispos dos mais de 5 mil. Pelo que assistimos com os "frutos” dos 27 sínodos que já aconteceram e os quase 30 anos de insistência na Nova Evangelização, e à crise profunda da Igreja, não se pode esperar grandes esperanças. A transmissão de conteúdos não é fácil. E colocá-las em prática, menos ainda. Não nos esqueçamos que temos um clero mais preocupado em aplicar o direito canônico do que a criar Teologia e novas formas pastorais. Um clero que repete e repete ritos e rituais, mas não inova no pensamento, não atualiza a teologia. Quantos bispos e sacerdotes lerão a fundo o Documento Final [do Sínodo]? Muito poucos.

Colaborou Paulo Emanuel Lopes.

Marcela Belchior - É jornalista da Adital. Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), estuda as relações culturais na América Latina. E-mail: marcela@adital.com.br





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