O Islão à lupa: Um instantâneo – Por José Manuel Cruz


Mais do que os atentados na Europa e um pouco onde cai a jeito, mais do que as conquistas presumivelmente efémeras da DAESH na Síria e Iraque, acompanhadas do retumbante cortejo de reclamações relativas à restauração do Grande Califado, mais do que todas as células de fiéis e pequenos exércitos de fidelidade jurada na orla sul da bacia mediterrânica e na faixa subsariana, de lés-a-lés, do Atlântico ao Indico, enfim, mais do que tudo isso, assistimos nós ou não a uma guerra larvar de culturas, até de civilizações, entre o que o Ocidente preconiza e aceita, e o que um Islão expansionista persegue?

Uns dirão que sim, outros que não. Uns verão actos isolados, que a seu tempo se extinguirão; outros verão um crescendo de ambição e ousadia, um enraizamento, uma conquista progressiva de espaço vital. Sei que abordo uma questão um pouco distante das preocupações diárias dos portugueses, e que assim me votem uma atenção superficial. 

Compreendo que o façam, ou não fosse este assunto um que eu próprio tivesse descoberto recentemente, por efeito da minha estadia em França. 

Encontro, no entanto, matéria sobeja de reflexão para todos nós, independentemente das desditas de refugiados que tanto Costa como Marcelo se afadigam por seduzir com algarves pouco apetecíveis.

Tenho escrito sobre este assunto com base em impressões pessoais, hoje poderei fazê-lo a partir de um estudo sociológico, efectuado na região de Marselha no segundo trimestre de 2015. Inquiriram-se adolescentes sobre questões relativas à prática religiosa e à relevância que a religião assumia nas suas vidas, sobre questões sociais e culturais, sobre os códigos sexuais, aqui incluídos o papel da mulher e as disposições homossexuais. 

O inquérito foi conduzido sob os auspícios do Centre National de Recherches Scientifiques, e do SciencesPo de Grenoble, pelo que nada de pirata teria, ou de intrinsecamente tendencioso; 9000 indivíduos foram assim sondados.

Pouco mais do que 5% dos abrangidos no estudo assinalaram uma pertença a religiões minoritárias, incluindo a judaica e diferentes credos cristãos. Rasou os 39% os que disseram não praticar nenhuma religião, repartindo-se o resto da amostra por católicos e muçulmanos, quase ela por ela, 30% para católicos, 25% para muçulmanos.

Admito que se o estudo tivesse sido realizado na Bretanha a distribuição seria distinta, em todo o caso mal vai o cristianismo gaulês se tão claramente perde terreno face à indiferença religiosa, e se tão chegado aos calcanhares vê os islões. 

Pouca novidade quanto ao estatuto preferencial da mulher como mãe e fada do lar; pouca novidade na estigmatização da homossexualidade. Interessam-nos outras questões.

A formulação até era um pouco mais simples, mas o sentido da pergunta é o que deste modo se expõe: “Que farias tu se te confrontasses com uma situação em que uma Lei Civil determinasse algo de contrário aos teus princípios religiosos?” 

Ora, dá-se o caso que 33,3% dos católicos responderam que seguiriam por uma linha congruente com a Fé, taxa que é insignificante, logo que confrontada com os expressivos 68% dos seguidores de Maomé, indivíduos para quem os normativos religiosos sobrelevam do que qualquer Lei da República preceitue.

Noutra questão se inquiria se os livros ou os filmes que afrontam as religiões deveriam ser interditos ou autorizados. Aqui, 53% dos adoradores de Alá responderam que tais artefactos deveriam ser destituídos de existência, contra 32% dos católicos que afinaram pela mesma bitola.

Quase na totalidade, índices na casa dos 80%, 90%, se declararam os muçulmanos orgulhosos e activamente participantes da sua fé, intrinsecamente ligados, contra taxas na ordem dos 30% a 50% para os católicos.

Retenho, de tudo, que uma maioria confortável dos inquiridos confere mais crédito ao que a Fé preceitua, do que às regras civis que regem a vida em comum.

Formatados pelo pensamento “politicamente correcto” podemos dizer que o estudo evidencia opiniões, algo de distinto de comportamentos concretizados. Mas é uma ilusão. Não farei, de crentes piedosos, potenciais terroristas, mas a sociedade em que vivemos, a sociedade que baniu a religião de todos os pedestais, não é a que cala fundo nos corações que oram voltados para Meca. 

Enganamo-nos, quando olhamos para o Islão como uma simples religião, pois, bem mais do que isso, ele é uma mundividência e uma ordem político-social. E é por isso que, os muçulmanos ditos moderados, os bons, acabam por conviver sem grandes sobressaltos com os muçulmanos maus. 

Afligem-se, os bons, quando os maus confecionam explosivos ou soltam rajadas de kalashnikov, mas é inquietude que rápido cessa.






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