Formar para Incluir


A informação é a principal arma para que os professores, agentes da inclusão na vida acadêmica, saibam lidar com as diferenças
por
Rodrigo Afonso



A partir da década de 2000, a legislação brasileira em defesa do deficiente físico representou avanços na igualdade de direitos, garantindo acesso aos espaços públicos, inclusive aos ambientes educacionais. Desde então, as instituições de ensino superior se vêem diante de um desafio que vai além da adequação da infra-estrutura à acessibilidade: formar a força de trabalho que atenda aos alunos com deficiência de maneira adequada.

Para que a educação inclusiva seja colocada em prática, o professor deve ser um agente capaz de compreender as peculiaridades desses grupos sociais. As diferenças não podem ser encaradas como desigualdades que comprometem o desempenho acadêmico, mas como questões contornáveis com um trabalho específico. "É importante que os professores tenham acesso aos conceitos da educação inclusiva voltada para todos os tipos de diferença e consciência sobre o que é necessário para extrair o potencial que esses alunos têm", opina Maria Cristina Corais, professora da Universidade do Grande Rio Prof. José de Souza Herdy - Unigranrio, do Rio de Janeiro.

Assim, a grande questão do professor não está ligada a nenhuma técnica especial para lidar com os deficientes, mas muito mais na informação sobre o que é a deficiência, que é bem diferente daquela imagem social construída ao longo dos tempos. Quando se fala do estudante do ensino superior, que já é um adulto, a necessidade do olhar clínico é um mito. "Nesse caso, estamos diante de pessoas que já passaram por outras etapas na vida e que conseguem muito bem expressar e ir atrás de soluções para suas necessidades", complementa Luíza Russo, diretora do Instituto Paradigma.

Existem, obviamente, algumas especificidades que são fundamentais dependendo da necessidade especial que o acadêmico possa vir a apresentar, como o domínio da Linguagem Brasileira de Sinais (Libras), mas, para especialistas, elementos como esse são apenas ferramentas. "Antes disso, o professor precisa se ocupar em compreender que o aluno tem os mesmos direitos e as mesmas qualificações de qualquer outro indivíduo", afirma Francisco Dutra dos Santos, pedagogo especializado em educação especial e professor do Centro Universitário Feevale, de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul.

Com essa consciência, o objetivo passa a ser o de buscar potencialidades no estudante ao invés de limitações. Antes de ser um deficiente, o aluno é um ser humano que pode desenvolver qualidades e defeitos como qualquer outro. Incluir, nesse caso, é oferecer possibilidades iguais, ou seja, as mesmas chances de avanço acadêmico. "Entrar no mundo da inclusão é oferecer chances reais para todos, o que exige dos integrantes do meio da educação estarem abertos a todas as diferenças individuais", complementa Nivânia de Melo Reis, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e especialista em educação especial inclusiva.
As instituições que assumem um compromisso com a inclusão costumam atuar em dois diferentes aspectos: abordam o tema de forma constante nos cursos voltados à formação de professores, como Pedagogia, História, Letras, etc., e capacitam seus atuais docentes por meio de programas de educação continuada, núcleos de palestras, entre outros.

O Feevale é uma delas. Além de passar por uma série de atividades voltadas à capacitação para inclusão, os docentes da instituição contam com o Núcleo de Apoio Pedagógico, que presta atendimento individualizado para aqueles que apresentam dificuldades em lidar com os alunos com os mais diversos tipos de deficiência. "Se temos como condição básica a garantia de acesso a todos que carregam algum tipo de necessidade educacional especial, a formação continuada focada em inclusão deve estar presente de forma constante", avalia Dutra dos Santos.

A Unigranrio, que também estabelece a educação inclusiva como uma de suas missões institucionais, incluiu uma disciplina específica que tem como foco atuar sobre qualquer tipo de deficiência que um aluno possa apresentar, buscando levar os futuros docentes a uma reflexão ao se depararem com cada caso. "Não seria possível, para um curso de ensino superior, dar conta de todas as ferramentas para atuar com deficientes. O ideal é provocar uma conscientização maior sobre as diferenças e como elas devem ser trabalhadas na sala de aula", afirma Cristina Corais.

Com tradição em educação inclusiva, o Centro Universitário Sant'Anna - UniSant'Anna, de São Paulo, atende a um grande número de alunos deficientes todos os anos e mantém a inclusão como um dos focos para seus cursos da área de educação, que abrange quase todas as áreas de conhecimento. Além de trabalhar esse aspecto em disciplinas como Educação Inclusiva e Ética e Responsabilidade Social, os alunos aprendem na prática com todas as atividades que a instituição realiza voltadas a esse público.

A também paulistana Universidade Ibirapuera, que já conta com políticas para acolher todos os deficientes que passem pela instituição, busca capacitar futuros professores atentos à inclusão. "Acreditamos que a abertura dos alunos a essa realidade deve ser um processo presente durante todo o período em que o estudante investe em sua formação", afirma Kátia Bastos, coordenadora do Núcleo de Educação da universidade.

O programa de inclusão da PUC Minas também surgiu recentemente, impulsionado por um debate mais intenso da inclusão no país, mas já se encontra consolidado para atender tanto aos alunos deficientes quanto aos professores. A instituição também conta com diversos cursos para capacitação de professores para a inclusão, oferecendo disciplinas na graduação, extensão, programas de capacitação de 180 horas e uma inovadora Especialização em Educação Especial Inclusiva (lato sensu). "Temos também um curso de pedagogia com aprofundamento em necessidades educacionais especiais que visa capacitar o pedagogo para a nova realidade inclusiva de nosso país", ressalta Nivânia Melo.

A PUC-SP trabalha com a Divisão de Educação e Reabilitação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic), um centro de formação de profissionais e de pesquisa no campo da comunicação humana e seus distúrbios. Alunos dos cursos de fonoaudiologia, pedagogia e psicologia participam das atividades do centro para aprenderem técnicas de inclusão, assim como os professores. A lei que regulamenta a obrigatoriedade de acesso aos deficientes é a Lei da Acessibilidade, de dezembro de 2004. Na área de educação, uma das mais importantes leis veio com o Decreto 5626, de dezembro de 2005, que instituiu a obrigatoriedade do ensino de Libras nos cursos de formação de professores, assim como garantia do direito de educação às pessoas com deficiência auditiva. Assim, além de formar professores para essa realidade, as instituições também se vêem desafiadas a recebê-los e qualificá-los adequadamente para o mercado de trabalho. Segundo especialistas, essa etapa também é fundamental para que a missão de inclusão da instituição seja plenamente cumprida.

Para o professor do Feevale Francisco Dutra dos Santos, é importante estabelecer novos projetos curriculares em cursos de formação de professores, mas também é fundamental que a instituição insira deficientes em seu ambiente. "Só assim é possível construir uma cultura de convivência com as diferenças, fazendo também com que a comunidade acadêmica reconheça o papel do deficiente na sociedade", acredita. Embora o começo dessa nova cultura dependa da garantia de acesso, os envolvidos no processo devem tomar cuidado para não confundir inclusão com simples integração. Para Luíza Russo, integração é uma situação na qual a sociedade já está organizada e são os entrantes que devem se adaptar ao meio. "Quando se fala em inclusão, parte-se do princípio da dialética, ou seja, o sujeito e o meio interagem entre eles, estabelecendo uma relação de convivência onde um modifica o outro", assinala. Estar aberto a essa mudança exige uma transformação bem mais profunda: a quebra de preconceitos. Todos os indivíduos, deficientes ou não, possuem competências maiores ou menores em determinadas áreas. Mas quando as pessoas colocam os deficientes em uma posição de fragilidade, tendem a enxergar mais suas dificuldades, sem se dar conta de que estas falhas podem ser encaradas como as de qualquer outro aluno. "É importante desmistificar que os percalços são necessariamente produtos da deficiência. Diversidade não significa desigualdade", afirma Francisco Dutra dos Santos.

Beatriz Cavalcanti Novaes, professora da PUC-SP, acredita que se a instituição aceita um deficiente entre seus alunos, deve oferecer condições, avaliá-lo e cobrar desempenho compatível com a formação que ele está tendo. "Se tratarmos o estudante com complacência, como um 'café com leite', não estamos encarando o estudante como um sujeito a ser formado para uma profissão ou para um papel na sociedade", completa.

Estudantes vencem barreiras

Os números do Ministério da Educação apontam para uma tendência de crescimento do número de pessoas com necessidades especiais em instituições de ensino superior. Em 2003 e 2004, esse número girou em torno de cinco mil estudantes. Em 2005, com o impacto da lei da acessibilidade, o número subiu para 12 mil. Desse total, quase dez mil são cadeirantes, deficientes visuais ou deficientes auditivos. Os demais são superdotados, deficientes mentais ou possuem outras necessidades. Na qualidade de acadêmicos, são indivíduos que procuram por direitos de acesso e igualdade de tratamento.

O estudante Rafael de Oliveira Albieri, que cursa Tecnologia em Análise de Desenvolvimento de Sistemas na UniSant'Anna, é um desses 12 mil alunos. Atualmente com 27 anos e cego desde os 21, passou por muitas dificuldades para conciliar o ensino médio com as constantes cirurgias para tentar curar um glaucoma no globo ocular, que o acompanhava desde o nascimento. Quando concluir a graduação, Rafael pretende se especializar em gestão de projetos e atuar em desenvolvimento de sistemas para empresas.

Outra estudante presente nas estatísticas de deficientes do ensino superior é Islândia Rocha Silva (foto), de 35 anos, que cursa o primeiro ano do curso de psicologia da Universidade Ibirapuera. Ainda no ensino básico, foi vítima da exclusão quando desistiu da escola por não ter condições de acompanhar. "Na volta ao ensino médio, dependi de uma colega que lia o que estava escrito na lousa e as apostilas para mim", relata.

Quando buscou o ensino superior, Islândia procurava um ambiente adaptado às suas necessidades, mas que ao mesmo tempo cobrasse seu desempenho e que a tratasse como aos outros alunos. "Quero fazer estágio e me inserir profissionalmente. Para que isso seja possível, dependo de um bom desempenho acadêmico e, conseqüentemente, de tratamento igualitário."

Fonte: http://revistaensinosuperior.uol.com.br/textos.asp?codigo=12049

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