"A pesquisa teológica ainda é um sonho em Angola" - Por Muanamosi Matumona

A Teologia é definida como a ciência que estuda Deus na sua relação com o homem e com a sociedade, baseando-se na fé e na razão, e sempre com o auxílio das ciências sociais e humanas, como a filosofia, a antropologia, a sociologia, a história, e outras.


No Ocidente, este tratado já conquistou um lugar no mundo académico, e não só. Em África, alguns países, como a Nigéria, RDC, Quénia, Camarões, já deram grandes passos no sentido de promover as investigações teológicas. Publicações em quantidade e qualidade, jornadas científicas e outros projectos têm ajudado os teólogos dos referidos países a fazer vincar as suas ideias, colaborando para o progresso e desenvolvimento dos seus respectivos povos.

Assim sendo, vale a pena recordar as últimas jornadas de reflexão teológica realizadas, recentemente, no Seminário Maior de Luanda, e questionar sobre o posicionamento da teologia e dos teólogos na sociedade angolana. Para os esclarecimentos certos, o Jornal de Angola falou com o reverendo padre Fernando Francisco, teólogo, e director de Estudos do Seminário Maior de Luanda, instituição católica vocacionada para formar os futuros sacerdotes.

Para começar, falou das jornadas teológicas organizadas sob a sua orientação: "Antes de mais, seria bom que o público percebesse o historial das Jornadas Científicas do Seminário Maior de Luanda, iniciadas em 2000. Com o decorrer do tempo, elas foram amadurecendo em termos de conteúdo, método e audiências. Nos primeiros anos, limitavam-se às iniciativas dos próprios estudantes, que se propunham reflectir sobre este ou aquele argumento bíblico, teológico e filosófico. A esta criatividade dos seminaristas juntou-se a habilidade científica dos seus formadores que lhe deram rosto e expressão, tornando-se um verdadeiro e distinto espaço de estímulo para a investigação científica".

Continuando, padre Fernando assegura, na mesma linha: "Aliás, é esta a expressão natural da existência do Seminário Maior, onde se preparam os futuros sacerdotes. Já lá se foram os 11 anos de caminhada e hoje podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que o balanço é positivo, na medida em que alguns dos estudantes gerados naquele contexto de pesquisa são, actualmente, bons cultores das ciências filosófica, teológica e bíblica, quer em Angola, quer fora do país, incluindo a Europa".

Com estes dados, já dá para perceber como se situa a teologia no mundo. O nosso interlocutor ainda tem a palavra: "A teologia é, com certeza, aquela nobre ciência que percorreu e conheceu vários caminhos, diferentes mentalidades da humanidade, na tentativa de se situar e de se explicar. Como se sabe, o termo teologia é de origem filosófica adoptado pela clássica reflexão teológica. Acabou por se tornar uma ciência, no verdadeiro sentido da palavra, que se ocupa da divindade e da realidade histórica do homem, o cenário terrestre onde efectivamente a criação se envolve profundamente numa sociedade concreta, como a nossa".

 
A teologia em Angola

 
Assim sendo, é lógico falar da "teologia em Angola". Neste prisma, padre Fernando Francisco afirma:

"No nosso país, a pesquisa teológica é ainda um sonho, embora tenhamos especialistas preparados para efeito. Se a memória não me atraiçoa, os primeiros doutores angolanos na matéria teológica foram formados na década de 80, e seguiram-se, depois, os filósofos, na década de 90, nas universidades eclesiásticas europeias, especialmente italianas. Já houve algumas tímidas iniciativas de um grupo de teólogos católicos, viradas para uma ‘teologia inculturada’. Porém, não tendo encontrado suporte material consistente, enveredaram para as outras áreas do saber científico, onde encontraram uma certa estabilidade. É pena".

Este quadro, para o director de Estudos do Seminário Maior de Luanda, proporciona uma leitura objectiva e realista:

"Para mim, vejo que os teólogos angolanos estão calados! São potencialmente produtores do saber teológico, mas não produzem. Se produzem não o divulgam. As causas podem ser de vária ordem! Estou certo de que a vontade para tal existe, mas há obstáculos. E isto não significa que não se possa fazer teologia. As fontes teológicas, como a Sagrada Escritura, Tradição, Magistério, experiências espirituais da comunidade e a doutrina cristã existem. Todavia, é preciso lembrar que a teologia não se faz individual e isoladamente. O fazer ‘teologia inculturada’ impõe um programa colectivo e eclesial, porque a teologia não é uma ciência qualquer. É ciência das ciências, porquanto ela constitui uma hermenêutica, traz à luz verdades espirituais, antropológicas e cósmicas que, por sua vez, se tornam em verdades transmutadas que podem ser cientificamente verificáveis e, a longo trecho, aprovadas ou rejeitadas. Mas é preciso coragem e acima de tudo tempo para se estabelecer o contacto permanente com a transcendente-realidade do homem angolano, e, portanto, antecipar-lhe os resultados existenciais".

 
Investigação científica e pastoral

 
Em Angola, afinal, já foram dados alguns passos, com as jornadas teológicas do Seminário Maior e com a abertura da Faculdade de Teologia na Universidade Católica de Angola, podendo perspectivar-se algo valioso e frutuoso. Padre Fernando tem as suas considerações:


 "Em princípio, a Faculdade de Teologia devia ser o ponto de partida para a investigação científica. De facto, esse endereço é-lhe natural, na medida em que a investigação numa faculdade de teologia aponta para a qualificação somente dos académicos, ao passo que para os candidatos ao ministério sacerdotal se aponta mais, e sobretudo, para a qualificação pastoral. As boas perspectivas residiriam no futuro entrosamento metodológico entre os académicos e os futuros pastoralistas no empreendimento da investigação teológica inculturada, de modo que se avance para uma teologia elaborada dentro das latitudes africanas e angolanas".

Os desafios são também muitos, pois hoje vive-se o tempo chamado "tempo de ecumenismo". Por isso, a teologia, em Angola, deve ter este dado em conta, quando deve procurar soluções para que esta ciência se afirme. Eis a opinião do nosso interlocutor sobre isso:

"Para se inverter o quadro actual, pessoalmente não penso no ecumenismo. Penso, sim, nos incentivos, e no poder-alavanca que faça girar as possíveis iniciativas de investigação que podem orientar-se também para um trabalho de aproximação, levando para o mesmo espaço teológico os grandes pensadores de várias sensibilidades científicas e confissões (católicas e evangélicas). Temos algumas experiências neste âmbito: há cinco anos, reflectimos com o pastor José Belo Tchipenda, teólogo angolano da confissão evangélica, sobre o futuro da teologia no contexto da modernidade, e nisso enfatizou a fidelidade e acção teológicas. Portanto, as exigências teológicas a nível de investigação podem ser partilhadas no espírito de unidade entre os teólogos, a fim de conhecer melhor o homem, as suas origens e as circunstâncias actuais em que ele está inserido".


Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao

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