Líderes muçulmanos estimulam fiéis a votar nas eleições na França


Eles somam milhões e formam uma minoria na França cuja voz normalmente é pouco ouvida nas eleições. 
Neste ano, porém, há um esforço para mobilizar os muçulmanos franceses a irem as urnas no próximo domingo — em meio a um surto de agressões ao Islã pela direita francesa.
Imãs e associações islâmicas estão convocando os muçulmanos a exercerem o direito de cidadão e votar. E embora eles não estejam apoiando oficialmente nenhum candidato, o chamado por si só é um fenômeno expressivo em um país no qual as estatísticas sobre a confissão religiosa são formalmente proibidas e em que o secularismo está consagrado na constituição.
O socialista François Hollande — o favorito de acordo com as pesquisas — é o beneficiário mais provável. Ao longo campanha, o presidente Nicolas Sarkozy tem criticado abertamente as práticas islâmicas e especialistas dizem que os muçulmanos jovens e os que residem em vizinhanças pobres tendem a votar à esquerda. Mas o voto islâmico é diverso, e não há garantia alguma de que o empurrão vá funcionar, já que a comunidade tende a evitar a política.
Os muçulmanos franceses vem sendo atacados ao longo de toda a campanha pelo que comem (a carne halal), por como rezam (nas ruas) e por alegadamente estarem usando sua população crescente para suplantar a civilização francesa. O massacre de crianças judaicas em uma escola e o assassinato de paraquedistas franceses por um — alegado — extremista islâmico colocou os muçulmanos no centro das atenções e alimentou o discurso de medo da extrema-direita.
‘Não somos cidadãos de segunda classe’
Sob as bandeiras do patriotismo e da preservação da identidade nacional, Sarkozy tem tentado agarrar os votos da extrema-direita e, ao mesmo tempo, neutralizar Hollande.
A candidata da extrema-direita, Marine Le Pen, responsável por uma campanha anti-imigração e anti-Europa e por semear medos acerca da islamização da França, obteve um sólido terceiro lugar no primeiro turno das presidenciais, no dia 22 de abril. Embora ela tenha sido eliminada, seus 18 pontos percentuais foram um resultado histórico para ela e para seu partido — a Frente Nacional. Seus eleitores agora poderiam turbinar Sarkozy no segundo turno.
Para alguns líderes muçulmanos, é hora de agir.
— A gente não vive em Marte. Nós vivemos na França e estamos constantemente ouvindo o que está acontecendo — diz Kamel Kabtane, reitor da mesquita da Lyon, que fazia parte de um grupo de imãs de cerca de 30 mesquitas do sudeste do país que está estimulando o voto entre os fiéis. — Com essa iniciativa, nós queremos mostrar que os muçulmanos não são cidadãos de segunda classe... Eles podem votar para quem quiserem, desde que votem — disse.
Os mais de 5 milhões de muçulmanos na França — a maior população dessa confissão religiosa na Europa ocidental — poderiam ser um peso decisivo a favor ou contra um candidato. Mas os especialistas dizem que as pegadas deixadas por eles no panorama político são praticamente invisíveis.
O modelo de integração em voga no país é oficialmente cego à cor, exigindo que as minorias imigrantes se abstenham de seus costumes para se misturarem ao universo francês. Estatísticas sobre raça, origem étnica e religião são formalmente proibidas, embora pesquisadores encontrem maneiras para driblar a regra, por exemplo usando os nomes de família para deduzir quem é quem.
Kabtane diz que a iniciativa de empurrar os muçulmanos para as urnas no sudeste da França foi a primeira do tipo, mas algumas mesquitas em Paris estão fazendo o mesmo.
‘Dizemos que são cidadãos por completo’
Na maioria dos casos, os imã dizem que recusam orientar os fiéis sobre como votar. Entretanto, um especialista em secularismo diz que a retórica anti-Islã por parte da direita torna claro o candidato preferível — o da esquerda.
"Na atmosfera de hoje, Nicolas Sarkozy está fazendo tudo o que ele pode para alienar o eleitorado muçulmano...", diz Bauberot. "Quando eles (imãs) dizem ‘vá lá e vote’, as pessoas entendem... ‘você não deve votar no Sarkozy", diz Jean Bauberot.
Para o líder da Grande Mesquita de Paris, Dalil Boubaker, esses chamados ao voto são perigosos pois arriscam atrair a religião para a política. Tanto que a mesquita emitiu um comunicado dizendo que se opunha à iniciativa de Lyon.
"Mobilizar, sim, mas não em nome do Islã. Em nome da Justiça, da economia, de programas habitacionais, da miséria, do desemprego. Mas não em nome do Islã ", disse.
Entretanto, outros imãs de Paris adotam a estratégia, incluindo Mohamed Saleh Hamza, que dirige a mesquita da região norte da capital, onde no ano passado os fiéis começaram a ocupar a rua porque já não cabiam no templo.
Para Le Pen, foi uma munição para a campanha anti-Islã. Sarkozy ouviu o recado e uma grande sala de oração foi aberta em um quartel de bombeiros. Na última sexta-feira, não houve menção à eleição presidencial — o sermão foi sobre o poder do amor. Mais cedo, porém, Hamza defendeu a participação nas eleições:
"(Muçulmanos) tendem a não voltar. Agora, estamos dizendo a eles que são cidadãos por completo. Não estão organizados ainda, mas isso vai acontecer", disse Hamza.
A mesquita de Paris calcula que os eleitores muçulmanos representem cerca de 10%. É uma população diversa, muitas com origens nas ex-colônias do norte da África e no Sahara africano, e as opiniões políticas não são homogêneas.
Sarkozy se distanciou da comunidade
Além do tom adotado na campanha, Sarkozy já teve um outro em relação aos muçulmanos. Em 2007, quando começava seu mandato, ele nomeou dois ministros de origem norte-africana muçulmana e trabalhou por um “Islã da França”. Muito tempo antes, esteve por trás da criação do Conselho Francês da Fé Muçulmana. Como ministro do Interior, chegou a ser convidado a falar à fundamentalista União de Organizações Islâmicas da França (UOIF) — onde foi vaiado por dizer que os véus tinham de ser retirados nas fotos para documentos de identidade.
O presidente lançou a lei anti-véu (que proíbe aqueles que cobrem todo o rosto), aprovada no ano passado, e não mais está nas graças da UOIF. Ele impediu seis convidados estrangeiros de participar na reunião deste ano da organização, argumentando que eles promoviam uma versão radical do Islã. O líder da UOIF, Ahmed Jaballah, também convocou o muçulmanos a votar.
O diretor do altamente respeitado Bondy Blog, que surgiu em 2005 durante as rebeliões na França, diz que muitos muçulmanos são mais franceses do que os políticos pensam. E pede respeito:
"Há uma parte da população que é, antes de tudo, francesa, mas que não é reconhecida como tal", diz Nordine Nabili. "Tentam arrastar essa população para questões culturais, étnicas ou religiosas, mas tudo é uma questão de sofrimento social, na verdade. Há o desejo de toda uma população de dizer ‘eu sou francês. Você tem de me aceitar como eu sou’".
Para Jamel Nouri, que deixava a mesquita de Paris na última sexta-feira “Nicolas Sarkozy caiu na armadilha da Frente Nacional. Ele foi arrastado para a lama”.
Fonte: Agência O Globo e http://www.pernambuco.com

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