Os evangélicos progressistas – Por Alessandra Oggioni
Eles são evangélicos, frequentam
os cultos, leem a Bíblia e lutam para defender suas opiniões pessoais, mesmo
que elas distoem do que pensa a maioria de seus irmãos em fé.
Patrick, Morgana
e Elias são considerados evangélicos progressistas, que se declaram contra a
violência aos homossexuais, pregam a igualdade de direitos entre homens e
mulheres e adotam uma postura mais questionadora sobre temas polêmicos, não sem
enfrentar preconceitos dentro e fora do grupo ao qual pertencem.
“Infelizmente,
a sociedade vê o evangélico como conservador, limitado intelectualmente e
manipulável. Mas esta não é uma imagem totalmente verdadeira”, afirma o
comentarista esportivo Elias Aredes Junior, evangélico praticante.
A comunidade evangélica no Brasil
conta com mais de 42 milhões de pessoas, de acordo com dados do IBGE. O
crescimento do número de fiéis é expressivo, eram 15,4% da população no ano
2000 e chegaram a 22,2%, em 2010.
Embora estejam todos
“enquadrados” no mesmo grupo, há denominações bastante distintas. Os
ensinamentos são diferentes em uma igreja da corrente histórica, como a Batista
ou a Metodista, em comparação a uma pentecostal, à qual pertence a Assembleia
de Deus, por exemplo, ou a uma neopentecostal, como a Igreja Universal do Reino
de Deus.
Com doutrinas tão diferentes,
alguns evangélicos buscam comunidades mais abertas a questionamentos e também
participam de movimentos progressistas, para defender interpretações e pontos
de vista nem sempre aceitos nos cultos. Conheça a história de três jovens
cristãos que se incluem neste grupo.
Formado em ciências sociais,
Patrick Timmer, 27 anos, trabalha como secretário-geral na Aliança Bíblica
Universitária do Brasil, em São Paulo. De família evangélica, é membro da
igreja Comunidade de Jesus, e se considera um “progressista”. “O termo
progressista pode significar muita coisa. Para mim, é não ter uma relação de
submissão incondicional com a figura do pastor ou do líder religioso”, define.
Para Patrick, tudo o que é ouvido
no culto precisa “passar pelo crivo das escrituras e ganhar uma interpretação
coerente”. Ele acredita que todo evangélico deve ter uma postura crítica e
saber buscar respaldo na própria Bíblia. “É preciso analisar o contexto,
procurar literaturas de apoio, conversar com outras pessoas. O diálogo e o
debate sempre ajudam na construção de uma democracia saudável”, afirma.
“A submissão para justificar a
violência não tem base bíblica”
Ele explica que, em muitos casos,
trechos da Bíblia são usados para justificar atos de opressão ou abuso,
especialmente contra as mulheres. “Certas leituras podem levar a uma
interpretação equivocada de superioridade de gênero. Mas a submissão para justificar
a violência não tem base bíblica”, defende Patrick.
Sobre o homossexualismo,
comumente alvo de críticas de líderes religiosos e dos políticos da bancada
evangélica, Patrick diz que é preciso mudar esta polarização de “evangélicos
versus gays”. Para ele, violência e intolerância são inaceitáveis, sejam por
racismo, machismo, xenofobia ou homofobia.
A favor de um Estado laico
A missionária Morgana Boostel, 26
anos, também se considera uma evangélica progressista. Ela é
secretária-executiva da Rede Fale, uma organização internacional ligada a
várias congregações evangélicas, que atua em campanhas contra injustiças
sociais.
“Todos devem ter os direitos
garantidos, independentemente da sua história ou trajetória familiar”, defende.
Evangélica desde criança, ela já
frequentou a igreja Batista e hoje é membro da Comunidade Anglicana Neemias, na
cidade de Vitória (ES). Morgana defende fervorosamente a liberdade de crença e
se mostra contrária à intervenção da Igreja em ações do governo. “Estado laico
não é a ausência de elementos de fé, mas a possibilidade de expressá-la da
forma que cada um considere importante”.
“Estado laico não é a ausência de
elementos de fé, mas a possibilidade de expressá-la da forma que cada um
considere importante”
Para ela, assim como a opção
religiosa, todas as escolhas devem ser respeitadas. Cada um é responsável por
decidir o que achar melhor para a própria vida, até mesmo quando se trata de
questões sexuais. “É inadimissível qualquer tipo de violência contra
homossexuais. Isso inclui o preconceito, pois [o preconceito] incita
a violência”.
Em defesa da diversidade
“A igreja não consegue lidar com
este cenário multifacetado. (...) Quem não estiver dentro de um modelo
preestabelecido fica de fora"
O comentarista esportivo Elias
Aredes Junior, 40 anos, sempre foi de família evangélica. Ainda adolescente,
aprendeu com os tios a questionar os valores pregados nas igrejas que sempre
frequentou.
“Comecei a despertar para temas de justiça social e igualdade, o
que me levou a participar ativamente de movimentos estudantis”, conta ele, que
hoje também frequenta reuniões e encontros do Movimento Evangélico
Progressista.
Elias, que faz parte de uma
igreja na cidade de Campinas (SP), considera boa parte da comunidade evangélica
bastante conservadora. “Muitas vezes, a igreja não consegue lidar com este
cenário multifacetado. E isso não é bom porque não contempla a diversidade.
Quem não estiver dentro de um modelo preestabelecido fica de fora”, diz.
Ele cita um exemplo que ouviu de
um pastor em outra denominação religiosa, que frequentava anteriormente.
Durante um culto, o líder disse que, ao ver uma passeata gay, teve vontade de
jogar o carro contra a multidão.
“Achei aquilo horrível. Posso não concordar
com a conduta gay, mas o Estado tem a obrigação de assegurar-lhes todos os
direitos, inclusive o de manifestação”, opina.
Para Elias, o problema de lidar
com a diversidade vai além da questão gay, incluindo também as novas formações
familiares. “Vi vários casos de preconceito contra mães solteiras. Então,
quando uma mulher é solteira ou separada, ela não pode ser considerada família
pela igreja?”, questiona.
Para mudar este cenário e
promover a inclusão, Elias acredita que cabe aos próprios evangélicos lutar
pelo que acreditam e “adotar” líderes e representantes que estejam mais de
acordo com o perfil de cada um.
“O pastor da igreja que frequento é aberto ao
diálogo e respeita o que eu penso. Uma nobre e gratíssima exceção neste
cinturão ditatorial existente na comunidade evangélica brasileira”, afirma.
Fonte: http://delas.ig.com.br
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