De escravo a missionário da fé - Por Laurin Bizoni



"O mistério de João de Camargo envolve a própria natureza, pondo até mesmo os sábios em uma profunda incerteza". A quadrinha de José Barbosa Prado, o Nhô Bento do Capão Redondo, no livro: "O servo João de Camargo, humilde missionário da fé", pode traduzir um pouco do que foi o místico João de Camargo Barros, nascido em Sarapuí, em 5 de julho de 1858, mas que se mudou para Sorocaba, após a Lei Áurea. João, antes de mudar de cidade, adotou o sobrenome dos antigos donos, se tornando assim, João de Camargo.

Desde jovem recebeu muitas influências das religiões africanas, através de sua mãe, e do cristianismo, através da sua sinhazinha Ana Teresa Camargo e do padre João Soares do Amaral. Em Sorocaba, trabalhou como cozinheiro, militar, em lavouras e olarias. João surgiu com seu dom no bairro da Água Vermelha e seus seguidores o tinham como "santo", de espírito elevado e de alma muito bondosa. 
Nhô João, como mais tarde seria conhecido, apelidado pelos seus devotos, já praticava curas desde 1897. Mas apenas em 1906 teria tido uma visão que o curou do vício na bebida. Só a partir desse ano conseguiu dedicar-se totalmente a sua missão. Entre os pedidos mais comuns feitos a ele estavam o de batizados, problemas conjugais e profissionais, desaparecimento de pessoas, animais e objetos. Entretanto, a cura de doenças era o que chegava em maior número na esperança de um milagre. 

João chegou também a ser preso 18 vezes, sob acusação de curandeirismo em 1913. Uma das vezes, quando foi julgado pelo Tribunal de Justiça do Estado, foi absolvido pelo corpo de jurados. No mesmo ano, Nhô João decidiu então, para proteger a si próprio de outras acusações e a nova religião, registrá-la oficialmente como Associação Espírita e Beneficente Capela do Senhor do Bonfim, reconhecida como pessoa jurídica em fevereiro de 1921. Mesmo assim, a imagem de santo nunca agradou a João, que dizia apenas intermediar os pedidos com Deus, mas afirmando que não era ele quem fazia acontecer o "milagre". A Capela do Senhor do Bonfim, no bairro da Água Vermelha, foi erguida em 1906, após uma visão ou sonho que teve com o menino Alfredinho, um garoto que morreu por ter sofrido queda de um cavalo. João, que ficou curado do vício da bebida, e conforme orientações do menino, decidiu erguer uma igreja. João realizava as curas e morava no local. Até hoje seu quarto é preservado.

Vida e morte

João de Camargo faleceu com 84 anos em 28 de setembro de 1942, em Sorocaba. O cortejo do seu enterro começou na Capela da Água Vermelha, onde centenas de devotos prestaram suas homenagens. Foi sepultado no cemitério da Saudade, em túmulo construído com materiais comuns por doação de um devoto, em meio a outros de personalidades sorocabanas e que também são bastante visitados. Entre eles, o do monsenhor Luís Castanho de Almeida (1904-1981), sacerdote católico e iniciador da ciência histórica em Sorocaba, ou mesmo de Antônio Francisco Gaspar (1891-1972), ferroviário da Sorocabana, contador de histórias das capelinhas. Há ainda túmulos como da menina Julieta Chaves, que morreu aos 7 anos, após desaparecer de casa e ser encontrada dias depois morta. Principalmente no Dia de Finados, a capelinha de João de Camargo é muito visitada por fiéis que vão até lá para rezar, fazer pedidos e pagamentos de promessas. O túmulo de João é o mais procurado do cemitério, onde devotos diariamente levam velas e rezam no local.

Nos dias de hoje, muitos fiéis ainda pedem e agradecem a ele devido às graças realizadas, muitas consideradas como milagres por essas pessoas. Mais de setenta anos após sua morte, a capela continua atraindo seguidores e fiéis. Seis anos depois de falecido, um devoto do milagreiro erigiu sobre o túmulo de João de Camargo uma réplica da Capela do Bom Jesus do Bonfim. Durante estes últimos 30 anos, Nelson Ciconello, outro devoto de João de Camargo, ofereceu atendimento espiritual na capela.

Em julho, os 155 anos de nascimento de João de Camargo foram motivo de comemoração. A festa contou com a reza do terço, tradição há mais de meio século. A reza foi em um palco no jardim da capela, em memória do místico. Os festejos contaram ainda com a participação da Banda Sinfônica Municipal, queima de fogos e distribuição de botões de rosas.






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