O feriado é católico, mas a celebração vai do Candomblé ao Druidismo – Por Lucas Junot

Dia dos mortos, celebração entre os vivos. Neste sábado, 2 de Novembro, celebra-se o Dia de Finados. 

A cultura de dedicar um dia para homenagear os mortos varia muito de localização ou religião, mas segue os princípios do catolicismo, pois a partir do século XI, os papas Silvestre II, João XVII e Leão IX passaram a exigir tal celebração. As missas em memória às pessoas falecidas tiveram sua origem no século IV, mas foi no século seguinte que a igreja passou a consagrar um dia para essa celebração.

A escolha da data se deu em virtude do dia de todos os santos, primeiro de novembro, pois os religiosos acreditavam que todas as pessoas, ao morrerem, entram em estado de graça, mesmo não sendo canonizados.

As denominações religiosas cristãs mencionam o Reino de Deus, o Céu, o Paraíso, mas o culto, celebração e homenagem aos mortos têm peculiaridades que passam desde religiões de matriz africana, como o Candomblé, até o Druidismo, neo pagão.

Em algumas crenças, a morte é o cessar definitivo da vida, seja ela humana, vegetal ou animal. Em outras, a morte representa apenas o reinício da vida. Neste Dia de Finados, o Capital News entrevistou representantes de três religiões: O Candomblé, a Doutrina Espírita e o Druidismo. Mesmo sendo denominações diferentes, todas guardam semelhanças entre si e, mesmo as que nem de perto se assemelhem, têm na data um dia de reflexão.

Candomblé

Na concepção da religião de matriz africana, diferente de algumas crenças, no Candomblé, não há o costume de ir aos cemitérios para reverenciar os antepassados no Dia de Finados, mas um expressivo número de terreiros, utiliza o feriado católico para poder louvar e reverenciar os ancestrais.

A sacerdotisa do Candomblé, Iyalorixá Zilá de Oyá, explica que na religião dos Orixás, a morte significa apenas o reinício da vida para seus praticantes. Longe da concepção de céu e inferno cristãos, no Candomblé o rito do “Axexê” é a última obrigação religiosa de seus iniciados. O ritual fúnebre tem como característica um procedimento inverso ao da iniciação: se antes se encantou a energia mítica nos iniciados, agora há a devolução da energia dos Orixás à natureza.

No Dia de Finados, candomblecistas se reúnem nos terreiros para executarem ritos em homenagem aos seus ancestrais. A Iyalorixá conta que existe um espaço do terreiro especialmente preparado para abrigar essas cerimônias.

“É um dia de resguardo. Na casa de Candomblé existe um local chamado Ilê Ibgo Ikú”, que traduzido do idioma Yorubá para a Lígua Portuguesa significa literalmente a Casa da Floresta da Morte, onde os ancestrais são cultuados. Neste dia além de entoarmos cânticos, rezarmos, fazermos oferendas e dançarmos, saudamos os nossos ancestrais, tanto familiares quanto religiosos, para que nos orientem e ‘festejem conosco’. Na nossa religião, quando uma pessoa de nossa família morre, ela será cultuada e lembrada pelas gerações seguintes. Esses ancestrais, chamados de Esá e Egúngún, são muito importantes para o equilíbrio da vida no plano em que nós estamos. Mesmo após a morte, esses Esás são consultados de forma que eles orientem os passos que nós devemos seguir”, explica a sacerdotisa.

Doutrina Espírita

Os adeptos da doutrina espírita tem uma relação diferenciada com o feriado. De acordo com a presidente da Federação Espírita de Mato Grosso do Sul, Maria Túlia Bertoni, os espíritas, como também são chamados, não vêm a data com tanta importância religiosa, uma vez que a crença se fundamenta na celebração da vida. 

“Não cultuamos os mortos, cultuamos a vida. O que fica, o corpo é a matéria, se acreditamos que existe um espírito e ele é imortal, apenas se libertou do corpo, de uma prisão”, justifica.

O pensamento “reencarnacionista” é tido pelos praticantes da doutrina espírita como uma nova oportunidade para resolver débitos, aprender e evoluir. “É vida, libertação, não há morte, mas sim vida plena nesse processo de evolução”, esclarece.

Ainda de acordo com Maria Túlia, “nesse dia os espíritos ficam mais susceptíveis porque os entes queridos choram, lembram... muitos espíritos são atraídos pela lembrança”. Existe ainda uma programação no Dia de Finados para os praticantes do espiritismo, a chamada “semana da vida”, que finaliza hoje, assim como em todos os anos, com um culto ecumênico no cemitério Parque das Primaveras, a partir das 10h.

Druidismo

Pouco conhecido, mas permeado por uma série de ritos e misticismos, o Druidismo é uma religião neo pagã baseada em cultos, mitos e ritos de origem celta (gaélicos, britônicos, gauleses, galegos, entre outros).

Hugo Cezar Fernandes Gondim, conhecido como Druida do Vento, vivencia essa prática solitariamente, mas mantém relações com a comunidade druídica brasileira.

Ele explica que, para o Druidismo, o culto aos ancestrais é de extrema importância e que os deuses e deusas cultuados são também ancestrais. “Basicamente em todo rito druídico há um momento para a reverência dos ancestrais, principalmente aqueles relacionados às três famílias: ancestrais sanguíneos, ancestrais locais e ancestrais espirituais. O ritual em que dedica-se mais a este culto seria o Samhain, data em que marcaria o momento em que as fronteiras deste mundo e do outro mundo seriam extintas e a passagem de um mundo para o outro seria tão natural, que poderia se tornar até perigoso”.

De acordo com o Druida do Vento, no Hemisfério Norte, a data para o Samhain seria entre os dias 31 de Outubro a 02 de Novembro, marcando o Ano Novo Celta, o Fim das Colheitas e o Rito aos Ancestrais. 

“Eu comemoro este festival pelo Hemisfério Sul, entre os dias 30 de Abril e 02 de Maio. Os celtas tinham uma relação muito forte entre sua espiritualidade e a paisagem local e sendo assim eu não poderia deixar de fazer isso, invertendo a ordem das datas em relação ao Hemisfério onde eu nasci e vivo”, conta.

Em outro aspecto, o Dia dos Mortos, Rito dos Ancestrais, Ano Novo e Fim das Colheitas era marcado em sociedades tradicionais pelo primeiro sopro do inverno, ou a primeira geada, os acontecimentos predecessores ao Solstício de Inverno. 

“Inclusive tenho me atentado as sociedades tradicionais indígenas do nosso estado e elas seguem a mesma regra, sendo que o rito xamânico do Ano Novo dos índios Terena era marcado pelo início do Inverno, entre Abril e Maio. Por estas premissas, os druidas no Hemisfério Sul recriam a sua liturgia e teologia local”, compara.

No ritual de Samhain costuma-se fazer um retorno ao ano que passou e assumir que ele terminou, fazendo um balanço daquilo que o alimentará no Inverno. O Samhain lembra que não existe fim, mas um recomeço, um momento indefinido, que está entre mundos, está entre o perigo e a segurança, o verão e o inverno, onde a decisão deve ser tomada e devemos seguir nossos destinos para sobreviver ao inverno.

Simbolismo

Existem alguns símbolos que são muito utilizados no dia dos mortos para homenageá-los. Os crisântemos representam o sol e a chuva, a vida e a morte e por serem flores mais resistentes são muito usadas nos velórios. As velas significam a luz do falecido, as coisas boas que eles deixaram para seus parentes vivos.

Crendices populares dizem que não se deve levar terra de cemitério para dentro das casas, pois pode levar azar. Outros afirmam que comer a última bolacha de um pacote pode causar a morte da pessoa que comê-la.

No dia de finados, as pessoas enfeitam os túmulos com flores, acendem velas e muitas mandam rezar missas pelos parentes que perderam. É um dia muito triste, pois através das homenagens feitas, as pessoas voltam a sofrer a dor da perda, entristecendo-se e até chorando por saudade.

No dia de finados, quando o tempo fica nublado ou chuvoso, popularmente atribui-se a chuva às lágrimas das pessoas, derramadas dos céus.

Dados

Em Campo Grande existem apenas três cemitérios municipais. Recentemente um projeto de lei foi aprovado, autorizando o Poder Executivo a instituir o Crematório Municipal, mas aguarda ser sancionado.

Segundo pesquisas do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o maior número de morte no Brasil é relacionado à mortalidade infantil. Porém, essa taxa teve consideráveis reduções no período entre 1991 e 2000, passando de 45,3 para 28,3, de cada mil crianças nascidas vivas.

Comparado a outros países, o Brasil ainda tem muito a melhorar. Na Europa a taxa é de cinco mortes para mil crianças nascidas vivas, e nos Estados Unidos chega a sete.

No México, os mortos são homenageados com grandes festas. Isso faz com que o país receba visitas de turistas de todo mundo.






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura