Cortejo católico dispara na frente, mas clima é de tolerância e festa – Por Amanda Palma


O culto ecumênico que marca o início da Lavagem do Bonfim ainda não tinha começado quando um grupo de católicos rezava o terço próximo à Igreja da Conceição da Praia. 

Eram integrantes da Lavagem de Corpo e Alma organizada pela Arquidiocese pela primeira vez este ano, para iniciar o cortejo à frente das baianas.

O grupo olhava para cima, acompanhando as mãos do padre Edson Menezes, reitor da Basílica de Nosso Senhor do Bonfim, que, numa camionete e sem microfone, passava cada conta, a cada Ave Maria rezada. 

Perto dali, o cheiro de alfazema entre as baianas já era forte. Um casal vestido a caráter para participar da Lavagem de Corpo e Alma olhava estranho. “Ave Maria, Deus é mais!”, disse a mulher, se afastando do local.

Fiéis iam chegando quando um grupo de cerca de 30 baianas começou  a se organizar como se já fosse dar início ao cortejo.  Era apenas uma sessão de fotos, mas o sinal de ameaça aos planos dos católicos já tinha sido emitido.

Afoitos por iniciar o cortejo, largaram o terço  e começaram a cantar o Hino ao Senhor do Bonfim, já em direção à Colina Sagrada. O culto ecumênico ficou para trás. Estava dada a largada para a evangelização pretendida pelos católicos e encabeçada pelo padre Edson. Nas mãos de muitos deles, a fé era estampada: carregavam as imagens do papa Francisco, Irmã Dulce e citações de salmos.

Na Praça Tiradentes, no Comércio, uma multidão ergueu as mãos para cantar a música do Padre Marcelo Rossi. Duas baianas olharam desconfiadas, mas logo começaram a dançar também. O clima de festa misturado com fé começava a se espalhar.

Por volta das 9h, os católicos chegaram à Avenida Jequitaia. Com ela ainda vazia, aproveitaram para iniciar um  minicarnaval embalados pela Orquestra Jurema, que acompanhava o grupo. 

Depois de Mamãe eu Quero, a expectativa era a de que as músicas católicas voltassem a dominar. Nada... Teve Allah-la-ô (sem pudores na hora do “Alah meu bom Alah”) e, menos ainda, na hora do axé. We are Carnaval virou hino de fé. E quem nunca imaginou ver um bloco católico cantar que “tem Deus no coração e o diabo no quadril”, perdeu uma oportunidade.  Mais adiante, com um público à vista, Erguei as Mãos voltou a dominar.

As mãos da baiana Maria Alves da Silva, 72, já estavam no alto quando o cortejo passou. Ela não deixou de se empolgar. “Está lindíssimo, estou achando maravilhoso mais esse espaço. Não posso estar aí porque tenho que sair com as baianas”.

Nos Largo dos Mares, o canto católico foi abafado pelas músicas de pagode e arrocha. Alguns poucos tentavam cantar Maria de Nazaré. Desistiram. Chegaram à Colina Sagrada por volta das 10h30. A Orquestra Jurema voltou a tocar o Hino do Bonfim para os três mil fiéis católicos.

Os sinos tocaram. Estava perto o momento mais aguardado: 

“Mas só vou dar bênção quando as baianas chegarem. Vamos aguardar e recebê-las com carinho”, repetiu três vezes o padre Edson já na igreja.  As baianas chegaram aos poucos a partir das 11h. Eram pouco mais de 30 no adro  quando padre Edson iniciou o ritual: “Eu não quero que ninguém diga que eu quis separar. Precisamos combater a intolerância religiosa”, disse. 

Algumas, inclusive, lavaram o adro com vassouras entregues pela Devoção do Senhor do Bonfim. Alma lavada para todas as religiões.





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