Religião na Cidade - Por Paulo Mendes Pinto e Fernando Catarino

Nos últimos tempos, teve-se conhecimento de alguns jovens portugueses, ou luso-descendentes, que se converteram ao Islão e aderiram posteriormente ao autodenominado Estado Islâmico (EI), deslocando-se para a Síria e Iraque a fim de se alistarem na Jihad que proclamam, como referia em entrevista Omar, nome de conversão de um jovem português, ao Expresso do passado dia 13.

A crescente actividade do EI tem despertado uma enorme curiosidade por parte dos jovens europeus que, pelas mais diversas razões, falta de trabalho digno, condições económicas, identificação política, religiosa, se sentem vazios e sem ideais, cada vez mais desligados do suposto Ocidente e do que ele representa. Aproveitando esse vazio identitário, o EI tem apostado nas conversões desses jovens com a posterior ou imediata adesão à sua Jihad, sobretudo por via das redes sociais.

Ao darem aos jovens uma causa pela qual lutar, mais que preencher o vazio que o suposto Ocidente deixou nascer por não dar respostas aos seus anseios e aos seus problemas, este radicalismo pretensamente islâmico re-ligou estes jovens a um sentido que, gostemos ou não, lhes passou a preencher a totalidade da vida. 

De um momento para o outro, os jovens passam de um “peso morto” da sociedade onde nasceram, para elementos fundamentais numa luta contra as injustiças desse mesmo mundo que acabam de rejeitar. Deixam de se sentir periféricos de uma Europa que rejeitam, para renascerem centrais nesse Estado Islâmico que contra ela luta.

Estes jovens, de que temos ouvido/lido relatos e entrevistas, não têm, por norma, ao longo do seu crescimento e formação, qualquer contacto com o Islão enquanto religião ou enquanto cultura. Tal como os seus pais, a sua formação é profundamente “Ocidental”, marcada por uma quase nula vivência religiosa e nenhum contacto com países do Médio Oriente.

Voltando ao caso de Omar, filho de pais residentes numa aldeia algures em Trás-os-Montes, que se viu obrigado a emigrar para França a fim de procurar melhores condições de vida, um emprego que teimava em não aparecer, um futuro que se fechava a cada dia. A dor da partida, já por si violenta, era colmatada (segundo o próprio) por visitas anuais aos pais e à aldeia. 

Nos últimos três anos, Omar estava já convertido ao Islão, mas nada fazia prever que essa ligação não fosse à religião, mas sim ao Estado Islâmico. A última visita foi, muito provavelmente, a última vez que a família se viu. Omar, diz, partiu para não mais voltar. A família chora de cada vez que falam por telefone. Não se conforma com esta mudança e com a perda do filho. 

De facto, para uma família que não tem qualquer relação com os ideais, com os países, com as “causas” do EI, é uma dor visceral a de ver um filho ou uma filha juntar-se a um movimento onde dificilmente se percebe alguma razoabilidade.

Acresce a tudo isto, o facto de todos os dias surgirem novas notícias, novos horrores cometidos em nome de um fanatismo que se aproveitou de uma base religiosa, extrapolando para interesses e motivos que pouco ou nada se identificam com o Islão. 

A incerteza de saber se foi o seu filho ou filha que cometeu tal acto, a constante interrogação pessoal sobre o que terá falhado na formação que deram ao seu filho, o perscrutar as etapas e o acompanhamento, a culpabilização, o sentimento de dor que os acompanha dia após dia, são sentimentos e sentires que apenas quem os vive lhes consegue dar dimensão.

O Estado Islâmico é mais um de tantos exemplos em que a religião é utilizada para se atingirem fins que nada têm a ver com a essência religiosa. 

Atrás da máscara da religião escondem-se interesses económicos, políticos e, acima de tudo, um desejo pelo controlo psicológico e mental dos indivíduos, anulando a sua capacidade crítica e levando-os a cometerem actos que em nada contribuem para o bem comum ou para a edificação do próximo.


Filhos de pais muito concretos, estes jovens europeus são filhos de todos nós. Eles são a imagem e a marca de um insucesso que não se mede nos índices ou taxas. 

Mede-se na incapacidade de transmitir o que de fundamental dizemos que o Ocidente deu ao Mundo: o Humanismo e o que está presente da carta dos Direitos do Homem. Esta é a nossa falência dentro de portas.




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