Templo de Salomão é inaugurado e criticado por rabinos


Até recentemente, ele sequer tinha visto uma foto do bispo Edir Macedo, tampouco havia tido interesse em saber algo a respeito do líder máximo da Igreja Universal do Reino de Deus. 


Mas quando se deparou com imagens do pastor usando alguns dos símbolos mais caros à religião judaica, na inauguração do suntuoso Templo de Salomão, o rabino ortodoxo Alon (o nome foi trocado a pedido do entrevistado) ficou surpreso. 

"Com certeza aquela pessoa não é um rabino. Por que, então, se vestiria daquela forma?"

Após ter construído uma obra inteiramente inspirada no Templo de Salomão original, Beit Hamikdash, o lugar mais sagrado do judaísmo, destruído em 70 D.C., a Igreja Universal traz à tona uma apropriação cada vez mais patente de símbolos da religião fundadora do monoteísmo. 

No edifício, há cópias da menorah (candelabro de sete braços), dos Dez Mandamentos (as "Tábuas da Lei") e até o próprio bispo passou a se vestir como se fosse um rabino.

Na prece de inauguração do templo de R$ 680 milhões, no último dia 31 de julho, Macedo sustentava uma longa e farta barba grisalha, solidéu na cabeça e corpo envolto em um belo e comprido xale branco com faixas azuis e tranças nas pontas. 

Para os judeus ortodoxos, os símbolos são claros: aos homens não é permitido raspar a barba; a cabeça deve sempre estar coberta pela kipá, para lembrar da existência de um ser superior; e a reza precisa necessariamente ser feita com o talit, o manto de orações que representa um lembrete visível do dever de observar os mandamentos da Torá, o conjunto dos livros sagrado da religião.

"Existe uma liberdade, as pessoas podem fazer o que quiserem. Mas esses símbolos são normalmente acompanhados por quem segue a filosofia judaica, remetendo a uma identidade judaica muito forte", afirma, também sob condição de anonimato, o rabino ortodoxo Dvir. 

"Embora haja uma abertura no sistema, não sei se é apropriado uma pessoa que não siga o judaísmo usar esses símbolos"

O rabino Alon concorda. "Com certeza, o objetivo dele [Macedo] com isso não é difundir o judaísmo, até porque há uma mescla com as práticas e cultos tradicionais da religião dele com os símbolos e vestimentas comuns a nós", diz. 

"Isso acaba criando uma confusão nas pessoas. Vemos ali um cenário e um ator, porque sabemos que aquilo não é nem uma sinagoga e nem um rabino."

Sincretismo religioso

A prática de apropriação de símbolos de outras religiões é bastante comum, especialmente em países como o Brasil, onde o sincretismo religioso sempre ocorreu e só tende a crescer. A própria Igreja Universal foi pioneira no uso de símbolos e rituais de outros grupos, como o de benzer objetos, típico do catolicismo.

Entre a vertente neopentecostal evangélica, há anos se observa em denominações de grupos menores o uso ostensivo de signos judaicos em cultos, como a menorah e a Estrela de David. Mas, aliado à simbologia do Templo para o judaísmo, nunca nenhuma dessas denominações havia se apropriado de forma tão incisiva dos signos judaicos.

Professor de pós-graduação de Ciências da Religião na Universidade Presbieriana Mackenzie, Rodrigo Franklin de Sousa explica o uso pela ligação intrínseca que o cristianismo tem com o judaísmo, não só por Jesus ter sido judeu, mas também pelo fato de a Bíblia incluir o Antigo Testamento, o que leva seus fiéis a se identificarem com naturalidade com os símbolos utilizados na religião de mais de 5.500 anos.

No entanto, Sousa questiona algumas das características abraçadas pela igreja de Macedo. 

"O que é mesmo diferente e me chama muito a atenção no caso da Universal é o fato de ela ter investido milhões para construir algo que aparenta tanto ser para uma outra religião", avalia. 

"É curioso, porque você olha para o edifício e não vê nenhum dos símbolos que marcaram a trajetória da igreja, como a pomba, os dizeres 'Jesus Cristo é o Senhor'... Parece uma forma de se reinventar, uma tentativa de alcançar novos fiéis, pessoas que teriam certa vergonha de ir à Universal para não serem estigmatizadas."

Por meio de sua assessoria de imprensa, a Igreja Universal afirma ser impossível dissociar o cristianismo de suas raízes judaicas, explicando que "Jesus não desrespeitou, anulou ou ignorou os princípios da fé judaica. Ao contrário, veio a fortalecer e completar o que eles iniciaram", diz a instituição em nota.

"O Templo de Salomão é uma forma de resgatar os princípios da fé bíblica como idealizada pelo próprio Deus. Não é um templo da Universal e sim um templo universal, para toda a humanidade, de todas as raças e credos, para qualquer pessoa que quiser conhecer o Deus da Bíblia. Para a Igreja Universal do Reino de Deus, o significado do Templo é totalmente espiritual. O objetivo é o avivamento da fé cristã. A propagação do Reino de Deus, o Evangelho da salvação."

"Ficamos lisonjeados"

Apesar das críticas de rabinos ortodoxos, oficialmente, a comunidade judaica brasileira não vê problemas nas práticas de Edir Macedo. Prova disso foi a presença de algumas de suas principais lideranças na inauguração do Templo de Salomão, como o presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg.

"Para nós, não é negativa a apropriação dos símbolos. Ninguém está usando nada para tirar sarro, para zombar. Desta forma, assim como eles estão respeitando o judaísmo, respeitamos também a fé dos seguidores da Universal", explica o vice-presidente-executivo da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp), Ricardo Berkienstat. 

"Na verdade, é até lisonjeador saber que eles respeitam o Templo de Salomão original a ponto de se adaptarem aos costumes de vestimentas daquela época."


O rabino Alon não só discorda da afirmação, como ainda vê outros perigos no uso que considera como indevido dos símbolos judaicos, incluindo a possibilidade de distanciar seus próprios fiéis de sua religião: 

"Não posso afirmar que seja o caso, mas existem religiões com a missão de converter judeus e, infelizmente, alguns deles caem um pouco nisso. Trabalhamos com o objetivo de conscientizar as pessoas a conhecerem as coisas autênticas, não as imitações". 






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