“Envolver-se no extremismo político violento é como aprender uma língua” – Por Paulo Moura


Christian Leuprecht é professor de Ciência Política no Royal Military College do Canadá, especialista em terrorismo e Estado Islâmico (EI) e conselheiro para a segurança de vários organismos governamentais. Esteve em Lisboa a convite da Embaixada do Canadá.

O que leva jovens estrangeiros a tornarem-se combatentes do Estado Islâmico não é a religião, mas motivos pessoais. Aos olhos das novas gerações desiludidas do Médio Oriente e Norte de África, mas também da Europa e EUA, só os combatentes do califado têm uma promessa convincente de mudar o mundo. Os serviços de segurança ocidentais não sabem como combater este inimigo.

Canadá, especialista em terrorismo e Estado Islâmico (EI) e conselheiro para a segurança de vários organismos governamentais. Esteve em Lisboa a convite da Embaixada do Canadá.

O que leva jovens em todo o mundo a juntarem-se ao Estado Islâmico?

A religião não é o motivo. A religião tornou-se uma racionalização para uma decisão que essas pessoas teriam tomado de qualquer forma. Tornou-se a ideologia que justifica a acção. Mas podia ser o nacionalismo, as teorias de Marx. Se pensarmos nas revoluções do passado…

As ideologias não foram a verdadeira razão?

É preciso uma ideologia para racionalizar uma decisão. Mas a religião não é a única. Há vários mecanismos que se conjugam, de várias formas, para que uma pessoa tome a decisão de partir, para ir combater ao lado do EI.

Que mecanismos? Motivações pessoais?

Há cinco tipos de pessoas que vão. O primeiro são os falhados. Pessoas que não conseguiram nada na vida. O segundo são os solitários. As pessoas que precisam de um amigo. Muitos, em entrevistas, dizem: eu antes estava sozinho, agora encontrei uma comunidade de pessoas que se preocupam comigo. O terceiro tipo são os altruístas: pessoas que querem fazer do mundo um lugar melhor. Algumas vão para o estrangeiro trabalhar em organizações humanitárias… Depois há os aventureiros. Pessoas que estão sempre a fazer coisas loucas. Bebem, consomem drogas, praticam sexo sem protecção. Podem aderir a um gang, ou escalar o Everest. Por fim, temos os oportunistas. São pessoas cuja vida não tem sido fácil, por causa da crise e do desemprego, e pensam: tenho de fazer alguma coisa por mim.

Esses cinco tipos estão em todo o lado. De certa maneira, são os que fazem alguma coisa.

Certo. Mas não tem nada a ver com religião. Tem a ver com o facto de não encontrarem forma de se realizarem, nas sociedades ocidentais.

Sim, essas pessoas têm queixas. Mas nem todas. A mensagem do EI, ou da Al-Qaeda é, no fundo, semelhante à do Estado-nação. É uma fórmula com provas dadas. A ideia básica é esta: nós somos os verdadeiros crentes. Todos os os outros são apóstatas, infiéis. E para que as pessoas acreditem nisto é necessária uma narrativa. Em toda a literatura do EI, em todos os vídeos há dois ingredientes principais: uma grande quantidade de mortos no chão, muitas mulheres e crianças incluídas, para mostrar como o terrível Ocidente oprime os muçulmanos; e música gloriosa, com a bandeira do EI, imagens de combatentes e uma mensagem sobre a obrigação de nos aliarmos a eles.

Geralmente também surgem imagens de pessoas a trabalharem, a construirem o novo país.

Exactamente. Porque agora, ao contrário do que acontecia com a Al-Qaeda, à qual era muito difícil juntarmo-nos, há um lugar para onde ir. Basta atravessar a fronteira. Mas é interessante que não aceitam qualquer pessoa. Há o caso do miúdo americano gordo, que foi mandado para trás. Não estava em forma, era obeso.

A narrativa, por si só, não seria suficiente para atrair pessoas.

Há essa narrativa, que diz: és oprimido, tens de juntar-te a nós. Mas é acompanhada por uma ideologia, que é toda uma forma de ver o mundo, e que é a interpretação radical do Islão.

Mas como conseguem tornar apelativa aos olhos dos jovens ocidentais insatisfeitos uma ideologia que é o oposto de todos os valores com que fomos educados?

Esse é o outro ingrediente: a identidade. A ideologia ambiciona a tornar-se parte da nossa identidade, daquilo que somos. Porque uma pessoa pode até concordar com a narrativa e com a ideologia, mas pensar: não é isso que eu sou. Adoptar a violência impune, as violações, não é isso que eu sou. E é o que explica que, apesar de tudo, há relativamente pouca gente a ir. Por muito infelizes que se sintam, o nosso sistema de socialização parece ter conseguido fazer as pessoas sentirem-se identificadas com os valores básicos e as premissas da nossa democracia ocidental. Além disso, a identidade a que o EI apela é profundamente contrária ao que a maioria das pessoas entende por natureza humana. Há regras humanas que são válidas em todo o lado. Certas coisas não se fazem. Não se matam pessoas gratuitamente…

Sabemos historicamente que certas sociedades subverteram esses códigos. Os nazis, Pol Pot no Camboja, fizeram o oposto, e funcionou para eles, de certa maneira.

Sim, mas isso tem de ser trabalhado. As pessoas têm de ser condicionadas. 

Ou talvez haja alguma coisa na motivação destes combatentes que, mesmo com a ajuda de todas as ciências sociais, não estejamos a compreender.

É um desafio. Em criminologia, por exemplo, os modelos de intervenção são baseados numa boa relação de dados. Há vários indicadores que tornam mais provável que determinado indivíduo se envolva na criminalidade. Por exemplo, ter tido problemas de consumo de álcool ou drogas, um passado de instabilidade afectiva em casa, com os pais, prévio envolvimento em situações de violência, um histórico de doenças mentais. No caso do extremismo violento, falta-nos estabelecer essa espécie de métrica do risco. Se um indivíduo vê muitos vídeos sobrejihad, os serviços de segurança começam a segui-lo. Mas isso nem sempre é bom indicador.

Deviam ser tidos em conta factores como o consumo de álcool ou problemas domésticos como propícios ao terrorismo internacional?

Precisamos de bons indicadores. Sabemos que grande parte dos que vão para o estrangeiro combater já teve problemas com a lei. Uma certa delinquência menor. Sabemos também que tendem a estar envolvidos em algum grupo. Mas há quem pense que um factor de risco é pertencer a uma comunidade religiosa ou etno-cultural, e não há nenhuma investigação que o confirme.

Houve muitos casos de mobilização internacionalista, em guerras como a do Afeganistão contra os soviéticos, ou a guerra civil espanhola. Visto em perspectiva, faria sentido explicarmos esse fenómeno com o alcoolismo, as drogas, os problemas domésticos ou com a polícia?

É uma boa comparação, mas tem limites. O fenómeno dos combatentes estrangeiros não é novo, mas assume uma nova forma. Há três tipos de terrorismo: doméstico, como a ETA, internacional, quando patrocinado por um Estado (é o caso do Hezbollah), e o terrorismo transnacional, que temos agora, que é o da Al-Qaeda e EI, e está ligado à globalização. A maior parte dos combatentes do EI não vem da Europa, ou dos EUA, mas da região. São pessoas que não têm expectativas, em termos sociais, económicos e políticos. Um jovem com estudos e ambição só encontra emprego se tiver um tio ou primo bem colocado. Entretanto, houve uma revolução da comunicação. E todos esses jovens estão em contacto com alguém que se mudou para um local onde conseguiu ter uma vida melhor.

Emigrar para a Europa ou combater no EI são resultado das mesmas motivações?

Não acredito que toda a gente que luta ao lado do EI acredite ou simpatize com eles. Mas são os únicos que prometem uma mudança. Se combinarmos isto com a realidade demográfica dos países do Norte de África e do Médio Oriente, que têm as mais altas taxas de fertilidade do mundo, percebemos que os problemas que temos agora apenas estão a começar. No século XXI, as tecnologias de comunicação tornam muito fácil disseminar as narrativas, e os transportes tornaram-se muito baratos, é demasiado fácil chegar a qualquer lugar.

São grandes desafios para a acção dos serviços de segurança. Há 15 anos, a preocupação das polícias eram as organizações. A ETA, a Fracção do Exército Vermelho, a Al-Qaeda funcionavam com estruturas. Agora há uma proliferação do alvo. Quaisquer pessoas podem planear uma acção sem deixar rasto. Depois do ataque de Paris, os franceses identificaram 6 mil pessoas como suspeitos que deveriam ser vigiados. Ora, segundo as estimativas mais minimalistas, são necessários 25 agentes para vigiar eficazmente uma pessoa. Seriam, portanto, necessários 150 mil agentes. Não é possível. Mas ainda estamos agarrados a abordagens muito convencionais no combate ao terrorismo.

No que respeita ao uso da internet, os terroristas estão mais avançados.

Sem dúvida. O EI usa habilmente o youtube, facebook, twiter, os chatspeer-to-peer e one-on-one, para planear, aconselhar os indivíduos, em várias línguas. Na última contagem, usavam 150 línguas.

Não é possível impedi-los?

Se encerrarmos uma conta do twiter, eles abrem cinco a seguir. Não podemos limitar a liberdade de informação, porque isso faria o jogo dos nossos adversários, como a China, a Rússia ou os países do Golfo, que gostariam de ter a colaboração do Ocidente a controlar o fluxo de informação na internet. Seria difícil conciliar isso com os nossos princípios democráticos. Além disso, não está demonstrado que é o acesso a informações na internet que leva as pessoas a partirem para combater.

Não é condição suficiente, mas talvez seja necessária.

Sim, talvez seja. Mas envolve outras coisas. Há vídeos jihadistas visualizados centenas de milhares de vezes. Se isso correspondesse ao número de pessoas que partem para o EI, teríamos um problema muito maior. Claramente, não é a Internet sozinha que leva as pessoas a fazerem as malas. Penso que o envolvimento no extremismo político violento é um pouco como aprender uma língua. Podemos sentar-nos em frente ao computador com um daqueles programas que ensinam, mas é só quando começamos a falar realmente com alguém que a língua vai fazer sentido. É preciso esse tipo de interacção. Encontrar um grupo de pessoas com quem se possa falar, para fazer sentido passar à acção.

Tendemos a ver os actos terroristas como problemas de polícia. A verdade é que lá, na Síria e Iraque, o EI existe, tem população, está a funcionar. Conseguirá manter-se? Pode expandir-se?

O EI pode implodir, por lutas internas, falta de dinheiro ou de recrutas (o fluxo de combatentes estrangeiros tem dominuído). Ou pode tomar Damasco.

A ocupação de Palmira facilitará esse avanço?

Sim, é a estrada para Damasco. Os subúrbios da capital têm estado sob o cerco de Assad nos últimos dois anos, em condições muito difíceis. Por isso as pessoas, mesmo que não simpatizem com o EI, apoiarão quem as livrar do regime.

E os outros grupos rebeldes aceitariam a liderança do EI?

Nunca acreditei que houvesse grande distinção entre os vários grupos. Sabemos que as armas que foram entregues aos moderados acabaram nas mãos do EI. Eles lutam lado a lado. É o que em Ciências Sociais se chama laços negativos. O inimigo do meu inimigo é meu amigo.

Quais são os limites do expansionismo do EI?

O objectivo deles é provocar o Apocalipse.

O fim do mundo, tal como descrito em certos textos islâmicos. Mas isso é propaganda, dirigida aos mais simplórios, certo?

Acho que eles acreditam realmente nisso.

Mesmo os chefes militares?

Não propriamente os generais Baasistas. Mas muitos dirigentes, sim.

Haverá um ponto em que será obrigatória uma intervenção militar ocidental no terreno?

Os americanos já não precisam do petróleo da região. Por isso o seu comportamento é diferente do do passado. Estão a afastar-se. Talvez façam uns bombardeamentos, enviem umas forças especiais, para conter o problema. Mas não veremos botas americanas no terreno. O problema disto é que devolve o protagonismo às rivalidades regionais. A Arábia Saudita e os Estados do Golfo serão tentados a interferir. E resta saber o que fará o Irão. Essa é a grande questão. Em lugares como Faluja ou Ramadi, nada porá as populações mais nervosas e com vontade de apoiar o EI do que a presença de milícias iranianas, xiitas.

O EI gostaria de transformar o conflito numa guerra entre sunitas e xiitas.

Oh, sim, isso é o seu grande sonho.






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