O Reino Unido precisa voltar a ficar unido como esteve depois das bombas de 7 de julho – Por Louise Ridley



Para marcar os 10 anos dos ataques terroristas de 7 de julho em Londres, o HuffPost UK está publicando Beyond The Bombings (além dos atentados), uma série de entrevistas, blogs, artigos aprofundados e pesquisas exclusivas para entender como o Reino Unido mudou desde então.

As vítimas dos atentados a bomba de 7 de julho representavam Londres. Havia brancos, negros, judeus, muçulmanos e cristãos. Eles vinham de lugares tão diferentes quanto Israel, Polônia, Caribe, Turquia, França e Austrália.

Um dia antes dos ataques devastadores, que deixaram 52 mortos e quase 800 feridos, a cidade estava comemorando a escolha para ser a sede da Olimpíada de 2012, depois de uma campanha que ressaltou a diversidade de seus moradores.

Mas a confiança de Londres no multiculturalismo foi abalada quando se soube que os homens-bomba que atacaram metrôs e um ônibus eram todos muçulmanos britânicos, imigrantes de segunda geração que mataram em nome de sua fé. O país começou a olhar para si mesmo, se questionando se os quatro terroristas suicidas eram produto de suas religiões ou de seus históricos.

Dez anos depois, mais de metade dos britânicos (56%) agora consideram o Islã, a religião em geral, não só os extremistas islâmicos, como uma ameaça ao Reino Unido, segundo uma pesquisa exclusiva do YouGov para o The Huffington Post UK. É um aumento significativo em relação aos 46% que disseram o mesmo no dia seguinte aos atentados.

Seria fácil concluir que o 7 de julho foi o ponto de partida para esse aumento da intolerância, mas há muitas evidências de que os ataques na verdade tiveram o efeito oposto. Alguns acadêmicos e comentaristas na verdade acreditam que o pior atentado terrorista no Reino Unido levou a um espírito de tolerância e um senso de união entre as várias culturas do país.

Inicialmente, a reação foi feia. Um relatório do Centro Europeu de Monitoramento do Racismo e da Xenofobia (EUMC, na sigla em inglês) apontou um “temporário e perturbador” aumento em crimes de ódio com motivação religiosa nas cinco semanas que se seguiram ao ataque. Eles foram em sua maioria ataques verbais ou físicos, ou ataques contra mesquitas e templos sikh. Não foi apenas em Londres: o Conselho de Igualdade Racial de South Wales relatou um “grande” aumento nos incidentes: de 10 por mês para 30 em apenas duas semanas.

Mas, somente um mês depois dos atentados, houve recuo nesse aumento da violência, afirma o relatório do EUMC. Os níveis de crimes de ódio com motivação religiosa voltaram ao normal. O que levou o país a optar pela união em vez do ódio? Acadêmicos e comentaristas atribuem essa decisão às ações de políticos, líderes religiosos, policiais e certos integrantes da mídia, que se esforçaram para enfatizar a mensagem de que os quatro assassinos não representavam o Islã.

“A posição firme de políticos e líderes comunitários, condenando os ataques e defendendo os direitos legítimos dos muçulmanos, causou uma rápida redução de tais incidentes”, diz o relatório do EUMC. Ken Livingstone, na época prefeito de Londres, deixou muito claro que represálias contra os muçulmanos seriam combatidas. O presidente da Associação de Chefes de Polícia disse: 

“Temos de deixar claro que os responsáveis por esses atos são criminosos. Eles podem tentar justificar seus atos com referências à religião, mas o que fizeram foi assassinato em massa. Nenhuma religião apoia isso. Portanto, é absolutamente fundamental que não haja reação contra nenhuma parte da comunidade. É esse tipo de reação que os assassinos esperam”.

Líderes cristãos e judaicos rapidamente expressaram apoio a seus pares islâmicos, e o Fórum Muçulmano Britânico, uma organização que representa mais de 300 mesquitas, foi um dos vários grupos que anunciaram uma fatwa, ou édito, condenando os ataques. 

A organização até mesmo publicou anúncios nos principais jornais, dizendo “Não em nosso nome”. A campanha: “7 milhões de londrinos, 1 Londres” celebrou a diversidade da capital e era vista em outdoors, postes e ônibus, pedindo que as pessoas “não se dividissem por causa de atos terroristas”.

Jonathan Leader Maynard, que estuda terrorismo e outras formas de violência política na Universidade de Oxford, diz que o espírito de tolerância muitas vezes é esquecido na narrativa do 7 de julho. 

“O que foi intenso depois do 7 de julho, e também depois de 11 de setembro, e isso às vezes é esquecido, é que imediatamente depois houve muito pouco sentimento anti-islâmico”.

“Há fotos maravilhosas do memorial que apareceu perto do marco zero, em Nova York, e uma enorme gama de mensagens de americanos que o visitavam, [tais como]: ‘Isso diz respeito à união da humanidade’, ‘Não culpe os muçulmanos’, ‘Todas as religiões são a favor da paz’. Houve uma solidariedade incrível, como a que se viu depois do 7 de julho”.

E ela parece ter surtido efeito. Uma pesquisa Ipsos Mori para a BBC mostrou que, apesar dos atentados, aparentemente não houve aumento na intolerância religiosa no Reino Unido durante o verão de 2005. A maioria das pessoas (62%) acreditava que o multiculturalismo fazia do Reino Unido um país melhor. Outra pesquisa da Greater London Authority, em Setembro de 2005, mostrou que 65% dos londrinos concordavam.

“A lição do 7 de julho é que uma ação forte e coordenada de todas as partes envolvidas é muito eficaz”, disse o relatório do EUMC. Ben Page, diretor do instituto de pesquisas sociais Ipsos Mori, disse que a primeira pesquisa mostrou que “a maioria dos britânicos brancos e muçulmanos... parece ter muita tolerância uma para com a outra, apesar do que se vê na mídia depois dos atentados de Londres”.

Gill Hicks, uma das sobreviventes dos atentados, perdeu as duas pernas e 75% do seu sangue. Ela estava a poucos metros de um dos terroristas que atacaram o metrô. Quando foi resgatada, a expectativa era que Hicks não sobreviveria. Uma pulseira a identificava como “desconhecida, possivelmente mulher”.

Mas ela concorda “100%” que havia um espírito de tolerância depois dos atentados e acha que as mídias sociais mantêm vivo esse sentimento. “Em 2005, não tínhamos Twitter”, diz ela. 

“Ou seja, não tínhamos uma hashtag, e isso significa que não tínhamos aquele movimento global em que todos podiam dizer ‘Somos todos londrinos’. [As mídias sociais] criaram um senso de comunidade global”.

Mas, dez anos depois dos ataques em Londres, e após o massacre na praia na Tunísia, o atentado mais grave contra os britânicos desde o 7 de julho, pode ter-se perdido esse espírito de tolerância. O apoio ao multiculturalismo parece ter despencado: a pesquisa do YouGov para o HuffPost UK (realizada antes do atentado na Tunísia) apontou que só 37% dos britânicos acreditam que o multiculturalismo faz do Reino Unido um lugar melhor para viver. É uma queda impressionante em relação aos 62% registrados depois dos ataques de 2005.

Em 2013-2014, os crimes de ódio na Inglaterra e no País de Gales aumentaram 5%, segundo dados do Ministério do Interior. Os 2 244 incidentes a mais foram causados por um aumento de 45% nos crimes de ódio com motivação religiosa, como resposta ao assassinato do soldado Lee Rigby em maio de 2013. Em junho daquele ano, a polícia metropolitana de Londres afirmou que houve um aumento específico dos crimes islamofóbicos, na esteira do assassinato de Rigby.

A pesquisa YouGov/HuffPost apontou uma diminuição do número de pessoas que veem os muçulmanos britânicos como “cidadãos pacíficos e respeitadores da lei”. Hoje, 15% das pessoas concordam com a afirmação de que “uma grande proporção dos muçulmanos britânicos não é leal ao país” e estão preparados para “perdoar ou até mesmo executar atos de terrorismo”. Há dez anos, essa porcentagem era de 10%.

Boa parte dessa mudança de atitude pode ser atribuída à cobertura da mídia que questiona e se concentra na comunidade muçulmana, diz Maynard, da Universidade de Oxford. “É a cobertura de extrema direita que, acredito, cria essa percepção na cabeça das pessoas que isso diz respeito a toda a comunidade muçulmana britânica, e não só a certa parte dessa comunidade”.

Ged Grebby, presidente da Dê Cartão Vermelho para o Racismo (SRTRC, na sigla em inglês), uma organização que trabalha com 50 000 pessoas por ano, a maioria crianças, diz que “não se ouvem histórias positivas sobre os muçulmanos”.

Ele afirma que somos “bombardeados” com uma imagem negativa dos muçulmanos na mídia, assim como de imigrantes e candidatos a asilo. Enquanto isso, ele diz que histórias de sucesso de coesão das comunidades recebem muito menos cobertura hoje do que dez anos atrás. “Acho que nos concentramos demais no negativo”, afirma ele. “Há muito pouca cobertura do multiculturalismo e todas as coisas boas que acontecem entre as religiões”.

Nos últimos dez anos, Grebby tem observado um crescimento preocupante da islamofobia entre os mais jovens. Uma pesquisa da SRTRC com 6 000 crianças de idade escolar realizada entre 2012 e 2014 apontou que um terço dos entrevistados entre 10 e 16 anos concordavam ou concordavam parcialmente com a afirmação de que os muçulmanos “estão tomando conta do nosso país”. Na média, os entrevistados achavam que os muçulmanos eram 36% da população, na realidade, eles correspondem a apenas 5%. Quase metade das crianças (47%) afirmou que são ruins as relações entre muçulmanos e não-muçulmanos na Inglaterra.

Quando o “hijab da papoula”, um véu que tinha o objetivo de demonstrar que quem o vestia tinha “orgulho de ser muçulmano e britânico”, foi lançado para o Remembrance Day do ano passado (dia em que os britânicos lembram os combatentes mortos na Primeira Guerra Mundial), Sughra Ahmes, presidente da Sociedade Islâmica Britânica disse que o véu era “uma maneira de os muçulmanos normais desviarem a atenção dos extremistas que parecem dominar o noticiário”.

Mas Grebby observa que gestos públicos de solidariedade depois da tragédia ainda trazem a tolerância dos britânicos à tona. “Estamos em Newcastle, e a (organização de extrema direita) Liga de Defesa Inglesa fez uma manifestação no fim de semana seguinte ao assassinato de Lee Rigby. Havia umas 2 000 pessoas, segundo as estimativas da polícia”.

“Mas, se a família de Lee Rigby não tivesse dito que ele próprio não teria apoiado a manifestação, talvez houvesse 20 000 ou 30 000 pessoas. Então acho que há muita tolerância em nossa sociedade”. “O assassinato de Rigby e o 7 de julho são eventos que unem as pessoas e não levam aos pogroms que você teria tido na Bósnia ou num lugar parecido no passado”, disse Grebby.

Para Maynard, isso faz sentido. Ele não acredita que incidentes específicos como o 7 de julho ou a morte de Lee Rigby sejam catalisadores diretos da intolerância. Tendências sociais amplas, como o número de jovens deixando o país para lutar pelo Estado Islâmico na Síria e no Iraque, têm muito mais impacto, diz ele.

“O clima da cobertura das pessoas deixando o país para apoiar o Estado Islâmico levou, a meu ver, a uma certa narrativa em certos setores da população britânica. Depois do 7 de julho, as pessoas estavam inclinadas a dizer: ‘São só alguns poucos estranhos’. Mas agora há uma sensação de que as coisas dizem respeito à relação entre a sociedade britânica e o Islamismo como um todo”.

“É por isso que acredito que a tolerância tenha diminuído, de certa maneira. As pessoas têm a impressão de que se trata de um problema social mais amplo, não de alguns malucos isolados”.

Terroristas são tipicamente vistos como indivíduos estranhos, “completamente diferentes de todo o resto”, explica Maynard. Mas essa é uma visão equivocada. Quando o terrorista de extrema direita norueguês Anders Breivik matou 77 pessoas a tiros em 2011, os observadores presumiram que ele tinha problemas mentais. Mas o julgamento provou que Breivik era são. Muitos ficaram chocados ao perceber que ele era mais “normal” do que se esperava.

“Uma das descobertas mais importantes de 40 ou 50 anos de pesquisas sobre o terrorismo e outras formas de violência extrema... é que as pessoas que se envolvem nesse tipo de coisa são relativamente comuns. Não são psicopatas, não são malucos, não são o mal encarnado, não são sádicos, são pessoas relativamente normais que adquirem certas crenças políticas e motivações pessoais que fazem suas ações parecerem justificadas”.

Entender a natureza da radicalização, e as pessoas que são suscetíveis a ela, é essencial para aumentar a tolerância com muçulmanos e outros grupos, diz Maynard: “Explicar para as pessoas como isso acontece também vai deixar claro que não se trata de rótulos ideológicos macro, como ateísmo ou islamismo, eles contêm diversidade demais e, portanto, são inúteis”.

Lorde Parekh, filósofo político, membro trabalhista da Câmara dos Lordes e chefe da equipe que elaborou em 2000 o relatório “O Futuro de uma Grã-Bretanha Multiétnica", diz que o fenômeno de britânicos indo para a Síria e o Iraque aumenta nossa compaixão e nosso medo dos muçulmanos. 

“Por um lado, os britânicos estão mais compreensivos em relação ao que acontece na comunidade muçulmana. Histórias de garotos indo para a Síria, ou famílias que desaparecem para viver em territórios controlados pelo ISIS. Quando essas coisas acontecem, há muita preocupação, e até mesmo certa compaixão. Por que os muçulmanos estão fazendo isso? Será que podemos ajudá-los de alguma maneira? Ao mesmo tempo, como se espera, há um medo considerável de que o 7 de julho se repita”.

De fato, a pesquisa YouGov/HuffPost sugerem um clima intenso de medo em relação ao terrorismo: 79% das pessoas acham provável que aconteça um novo ataque na escala do 7 de julho, enquanto somente 13% acham isso improvável, e 8% não sabem.

Uma nova medida governamental para atacar a radicalização, considerada extrema e intrusiva pelos críticos, foi inspirada pelo medo, diz Parekh. Parte da Lei de Segurança e Antiterrorismo, a medida, batizada de “Prevent”, exige que funcionários de escolas, creches, universidade, prisões e hospitais e centros de saúde monitorem e denunciem estudantes e usuários de serviços públicos que exibam sinais de radicalização, procurando “mudanças de comportamento” e examinando dados eletrônicos.

Parekh considera a medida contraproducente, dizendo: “O governo quer monitorar crianças para garantir que elas tenham os amigos certos. Se elas usarem certos tipos de roupas ou gostarem de certos tipos de comida, alertas vão soar: elas estão se transformando em jihadistas. Isso me lembra a União Soviética, onde as pessoas poderiam ir para a forca com base no que seus filhos diziam, e o papel dos professores era coletar informações sobre os pais dos alunos. Estamos fazendo a mesma coisa. Acho que não vai funcionar”.

“Acho que, por causa desse medo, a tendência é tomar medidas extremas, que no longo prazo só vão transformar o medo em realidade”. Maynard afirma que a Prevent é uma “lei terrível” que “seria impensável dez anos atrás”.

“Ela não será eficaz na contenção da radicalização e não entende como a radicalização acontece. Priorizar o monitoramento das visões das pessoas e o contra-extremismo à custa da liberdade de expressão pode criar um relacionamento ruim entre estudantes e universidades”.

O Ministério do Interior não quis comentar essas opiniões quando questionado pelo HuffPost UK. Um porta-voz do ministério não respondeu a perguntas sobre a eventual intolerância dessa abordagem do radicalismo ou sobre a importância da tolerância no que diz respeito às políticas anunciadas.

Mas o ministro da Segurança, John Hayes, disse que a nova medida tem o objetivo de “proteger as pessoas da influência venenosa e perniciosa das ideias extremistas que são usadas para legitimizar o terrorismo”. “Proteger quem é vulnerável e corre o risco de radicalização é função de todos nós”, disse ele. “A nova medida vai garantir que todos os órgãos do país façam sua parte. O país precisa estar unido para atacar o extremismo”.

A abordagem do governo em relação aos grupos muçulmanos claramente mudou. O Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, que trabalhou com políticos depois do 7 de julho, disse em junho que o governo atrapalhou a luta contra o extremismo ao marginalizar importantes grupos muçulmanos e ao se recusar a se envolver com extremistas não-violentos para entender por que os jovens querem se juntar ao ISIS. Miqdaad Verso, secretário-geral assistente do Conselho Muçulmano da Grã-Bretanha, disse que “é importante que o governo não fale apenas com quem concorda com ele”.

O conselho do relatório do EUMC foi: “Gestos públicos positivos em relação ao Islã e diálogo com representantes da comunidade muçulmana, baseados no respeito aos direitos humanos, não devem acontecer só em momentos de tensão”. Mas Maynard afirma que o governo deu alguns passos positivos no sentido de dissociar o Islã com o terrorismo, usando os termos “extremismo” e “radicalização” em vez de “fundamentalismo islâmico”.

Gill Hicks, a sobrevivente do atentado, diz que a palavra “tolerância” poderia ser abandonada. “Não suporto a palavra tolerância, especialmente agora, que sou portadora de deficiência e parte de uma minoria. Se alguém diz: ‘Ah, somos muito tolerantes em relação aos portadores de deficiência’, para mim isso quer dizer: ‘Meu Deus, não quero olhar para aquela pessoa na cadeira de rodas, mas sei que elas existem, sei que elas têm o direito de estar aqui, então vamos seguir com nossas vidas”.

“Gostaria que tolerância fosse a ideia de uma aceitação completa e natural de que é uma única sociedade e que não precisamos dizer que toleramos esses grupos diferentes”.






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