Religiões não são causas de atentados para especialistas – Por Isabela Treza



Após o atentado terrorista em Paris na última sexta-feira (13/11), as redes sociais foram a válvula de escape da sociedade para manifestar seus sentimentos sobre a situação. 

Com isso, surgiram rumores de parte dos internautas, que culpam as religiões pelos atentados mundiais atuais, além da generalização preconceituosa sobre os muçulmanos.

O cientista político e sociólogo, Rafael Colavite explica que grupos que justificam conflitos em prol ou em defesa da fé “estão extrapolando um limite interpretativo da religião e deixando de lado certos aspectos de sua crença e das orientações de seus líderes”.

Colavite também detalha a diferença entre os seguimentos islâmicos. “A Jihad, em si, compreende um fenômeno do islamismo que não é coerente com os ataques promovidos pelo Estado Islâmico. Prova disso são outros grupos fundamentalistas, que inclusive são taxados pelos Estados Unidos de terroristas, como Hamas, Jihad Islâmica e Hezbollah condenarem publicamente os ataques realizados em Paris”. 

O cientista político afirma que o Estado Islâmico não se manifesta religiosamente, “Dessa forma, não é possível dizer que o Estado Islâmico age conforme preceitos religiosos unicamente. Sua arregimentação abrange a geração atual que é imersa no mundo pós-moderno, onde não existem mais noções claras da ética e da justiça”.

Segundo o sociólogo, muitos jovens no mundo são cativados pelas práticas do EI por buscarem combater seus incômodos em relação ao mundo de forma extrema, por isso, “as guerras não são geradas pelas religiões, mas as religiões são usadas de forma tendenciosa para justificá-las”.

Os países que possuem intenções geopolíticas por trás dos acontecimentos utilizam esta mascara das religiões, muitas vezes colaborada pelas mídias, para seus feitos. “A mídia ocidental, por exemplo, é responsável por veicular notícias e informações condicionando a população a uma visão equivocada da religião que mais cresce no mundo. Esta condição é pertinente aos países com intenções geopolíticas de controlar o oriente médio e suas riquezas naturais".

“É importante ressaltar que este interesse em controlar as riquezas da região é um dos principais motivos que levam países, como os Estados Unidos a interferirem e até mesmo intervirem no equilíbrio delicado do oriente médio”
, finaliza Colavite.

Geraldo Zahran, do Departamento de Relações Internacionais da PUC (Pontifícia Universidade Católica) de São Paulo e coordenador de pesquisa do Opeu (Observatório Político dos Estados Unidos), ressalta que os ataques são atos políticos estratégicos:

“A disputa é entre um grupo que quer afirmar seu controle sobre uma região no Oriente Médio e outros que querem impedir esse controle. A religião é apenas a camada mais superficial desse conflito, não o seu motivo”.

O coordenador afirma que os conflitos têm raízes na invasão soviética ao Afeganistão em 1979 e na reação dos Estados Unidos que acabou originando grupos como a Al Qaeda e o Talibã. Além da Primeira Guerra do Iraque em 1990 e pela invasão que sofreram em 2003. Todos os fatos juntos com a guerra civil na Síria, permitiram o aparecimento de um grupo sunita radical como o Estado Islâmico.

Zahran também alerta que a consequência dos ataques é “a radicalização e continuidade de uma política que não trata de nenhuma das causas desses conflitos, na verdade os toram piores a médio e longo prazo”. 

Além disso, o profissional alerta que os bombardeiros dos Estados Unidos, França e Rússia, atingem alvos militares e a população civil, aumentando a oposição dos grupos contra o Ocidente. “As respostas que estamos vendo são bem conhecidas, há uma década, e só tendem a estender o conflito. A maior prejudicada é a população civil nessas regiões”, finaliza.

O presidente do Conselho de Ética da União Nacional Islâmica, Shaikh Jihad Hammadeh, explica a relação da pratica islâmica com o Estado Islâmico. “Nós como muçulmanos não reconhecemos estes grupos, eles não falam em nosso nome e nem em nome da nossa religião islâmica, e acredito que de nenhuma religião. São pessoas que estão a serviço de terceiros, que com certeza não são os muçulmanos. Se eles fossem muçulmanos e estivessem a serviço destes, não seriamos os maiores prejudicados, que mais morrem nas mãos deles e estão no fogo cruzado”.

Hammadeh também explicou o propósito do Estado Islâmico de desconstruir os verdadeiros preceitos dos muçulmanos. “Nós, de berço islâmico, nunca ouvimos falar destes grupos e do nome das pessoas que lideram este grupo. Hoje existe um grupo que não tem nomes, mas sempre depois que morrem aparecem, isso é para não perpetuar e a pessoa não se tornar referência que o grupo. É premeditado. Quem criou este grupo chamado “Estado Islâmico” já o criou com este intuito de desconstruir a identidade islâmica”.

O Shaikh também cita a dificuldade gerada por uma parte da mídia, uma vez que o equilíbrio de ouvir o outro lado não acontece, o que fomenta a descriminação. Com isto ele finaliza deixando um recado para todos os muçulmanos e também para os não praticantes deste seguimento, instruindo-nos. 

“Hoje, mais do que nunca, os muçulmanos e não muçulmanos moderados, equilibrados, serenos e conscientes, devem se manter calmos, pacientes e procurar aumentar o conhecimento para enfrentar esta onda de preconceitos e discriminações que assistimos. Devemos ser proativos; Falar, escrever e mostrar, na prática, os valores islâmicos, que são comuns a todas as religiões e credos. Que Deus nos abençoe e guie para a serenidade e calma, no pensamento, na fala e no comportamento”.

Vivendo na pele 

O paquistanês Abdullah Ayub, 42 anos, casado com a brasileira e ex-moradora de São Caetano, Carla Bianca Gamba, 39, vive junto com a mulher e dois filhos, Qasim, 9, e Zarah Ayub, 2, em Petersburgo, na Inglaterra, há aproximadamente 13 anos. Após o atentado em Paris, o país também sofre as consequências do medo de ataques, além do preconceito em relação aos muçulmanos. 

A família mora ao lado de uma mesquita e Ayub confessa que se sente debilitado em relação aos acontecimentos e atentados atuais, principalmente pelos preconceitos sofridos, “Primeiro preciso explicar que o Islã e uma religião que prega amor e paz. Me sinto impotente diante de tal atitude porque de uma forma ou de outra todos nós pagamos. Muitos alimentam um sentimento de ódio com os outros muçulmanos, mas perante a sociedade muçulmana do bem, o Estado Islâmico não é considerado muçulmano porque Allah não admite matar o próximo, ainda mais inocentes”.

O pai de família acredita que a razão para os atentados e guerras está nos envolvidos em poderes políticos, além da ganância pelo petróleo, porém, existem os que se ‘escoram’ na religião para justificar seus atos. Além disso, ele acredita que a paz acontecerá quando “Se os governantes olharem para os pobres, ao invés de incentivarem a riqueza e o consumismo. Ser tolerante é a chave”.

Abdullah explica que está acostumado com o preconceito, e que sua defesa é a explicação da veracidade de sua crença. 

“Somos apontados pela nossa religião principalmente, além da nossa cor e escolhas, como não comer carne de porco, mas isso nunca me incomodou. Sei que em todo o mundo existem pessoas que querem aprender perguntar e respeitar, mas têm também as que nunca irão fazer isto. Isso acontece em todas as religiões ou setores da sociedade. Minha defesa e sempre procurar explicar nossa visão sobre o Islã”.

A esposa, Bianca, conta que os ingleses estão divididos em relação à situação atual da Europa e dos preconceitos. “Alguns são racistas e acham que os muçulmanos deveriam ser banidos, outros acham que toda essa situação é causada pelo sistema, eu sempre acho que tudo que é extremo e preconceituoso não é aceitável”.

Após o atentado em Paris, as perguntas comuns que fazem a Bianca, quando tomam conhecimento de que ela é casada com um muçulmano, como “Terrorista pode se casar com quatro mulheres? Rezam várias vezes ao dia? Não come porco? E como é a comida apimentada?”, são substituídas por “Como pode se casar com alguém que adora a morte?, ou, Como seu marido explica isso?, ou, Você não tem medo pelos seus filhos? e se eles virarem terroristas?” conta. Porém, após conhecer o país de seu marido, Bianca compreende e defende os muçulmanos. 

“O Abdullah sempre diz que ignorância gera intolerância. Nós tentamos explicar que nem todos os muçulmanos são assim. Quando eu fui ao Paquistão realmente pude percebe que são um povo sofrido, devoto e acolhedor”.

Ayub e Bianca são casados há 10 anos e são felizes mesmo com as diferenças culturais e religiosas e assim também passam para seus filhos. “Nunca fui forçada a me converter ou impor a religião dentro da minha casa, meus filhos recebem a direção religiosa da junção do que meu marido e eu acreditamos. Os ensinamos a fazer a oração do Pai Nosso antes das refeições em árabe e em português, assim como antes de dormir. Independentemente da sua religião há apenas um Deus que está olhando e guardando a nós. Devemos sempre ter respeito e amor ao próximo”, explica Bianca.

Referente ao atentado, Bianca conta que todos estão apreensivos e esperando o próximo, além disso, ela diz que em Londres as pessoas e a segurança nos metrôs, estações de ônibus e aeroportos estão redobradas, “Ninguém fica ou se senta perto de um pacote ou sacola deixada em locais públicos ou meios de transporte”.


Por todos esses fatores, a possibilidade de retorno ao Brasil aumenta para a família Ayub. “Venho pensando cada vez mais em voltar para o Brasil por diversas razões, agora a instabilidade também chegou aqui. Apesar de toda segurança, um ataque já e aguardado no país e rumores apontam que pode ser no ano novo. Jornais locais apontam Londres e Roma (Itália) como alvos certos, porém a segurança geral no país é muito elogiada e pode ser sentida em todos os lugares”, conclui Bianca.




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