Entrevista com Marga Janete Ströher


No Brasil ainda não há diálogo entre as diferentes religiões e instituir uma política de tolerância é um desafio que encontra sérias barreiras, principalmente dentro das escolas. A constatação é de Marga Janete Ströher, coordenadora da Política de Diversidade Religiosa, da Secretaria Nacional de Promoção e Defesa dos Direitos Humanos da Presidência da República. 

Ela esteve em Belém esta semana para participar da jornada acadêmica de ciências da religião da Universidade do Estado do Pará (Uepa), segundo ela, uma das poucas instituições públicas brasileiras a ofertar graduação nessa área.

Em entrevista ao VOCÊ, Marga explicou que é preciso aprofundar a discussão sobre diversidade religiosa no campo dos direitos sociais e que as políticas públicas neste sentido ainda estão caminhando. Para isso, a professora acredita ser necessária a formação de profissionais comprometidos com os direitos humanos e que possam levar esse debate para a educação das crianças e jovens brasileiros:
  
P: O que está sendo feito para tentar garantir mais respeito à diversidade religiosa?

R: Dentro da educação, temos desde maio a portaria do MEC que vai nortear o trabalho no ensino de direitos humanos. A ideia é levar essa discussão para as academias, aos cursos de licenciatura, para trabalhar a transversalidade nesta área dentro das escolas. Diante disso, poderão ser abordados vários aspectos, como a democracia, a laicidade do estado e a diversidade. Temos uma discussão avançada no sentido de retirar o ensino religioso daquele patamar tradicional, restrito à religiosidade católica ou evangélica, e também trabalhá-la como ponto de conhecimento, ciência mesmo.

P: Não é isso que acontece atualmente?

R: Pelo contrário. A escola não é lugar de ensinar fé, lugar de ensinar fé é nos terreiros, igrejas, templos, mesquitas ou sinagogas. Isso tem se confundindo muito ao longo do processo de colonização que o Brasil passou. Religiões de matrizes africanas sempre foram relegadas a segundo plano, por exemplo. As escolas passaram a ser um meio de catequizar as crianças. O ensino religioso passou a ser um momento de evangelização e não de estudos sobre religião, que é o que o curso de ciências da religião se propõe a fazer. Por isso é necessário preparar profissionais que vão ensinar as religiões a partir de referências do conhecimento da Ciência da Religião, dentro de uma área específica. Mas ainda há uma ala muito resistente que quer manter tudo como está, por que é uma possibilidade de agregar adeptos para determinada religião. Isso é perceptível.

P: Isso acaba ferindo o princípio constitucional do Estado laico. A coordenadoria tem trabalhado no sentido de dirimir essas questões?

R: A partir do momento da República foi instalado o estado laico e a escola laica. Foi então que Getúlio Vargas retomou o ensino religioso nas escolas com a seguinte proposta: quem é católico vai com o padre e quem é evangélico vai com o pastor. Isso criou um problema sério por que só duas categorias eram atendidas. Quem professasse outras religiões era obrigado a se adaptar a um dos dois ou ficava sem ensino. Só que o Brasil tem uma diversidade que nem a gente dá conta de dimensionar. Com a nova LDB [Lei de Diretrizes Básicas da Educação] de 1996 e a partir da constituição de 1988 foi colocado o ensino religioso como disciplina facultativa ao aluno.

P: O que a nova LDB trouxe de inovação?

R: Na LDB consta que o ensino religioso não pode ser confessional, nem proselitista e precisa atender a diversidade religiosa. O grande problema é que não temos a matriz curricular de ensino religioso, não temos parâmetros curriculares. Todas as outras disciplinas possuem menos o ensino religioso, por que ficou para os sistemas de ensino estadual e municipal deliberar sobre isso e decidirem por meio dos conselhos.

P: Existe muita discussão e diálogos, mas efetivamente o que temos em termos de políticas públicas atuando neste sentido?

R: Algumas coisas surgem a partir das necessidades. Estamos vivendo isso agora. Os cursos de religião têm contribuído com formação acadêmica. A Uepa é uma das poucas que ofertam o curso de forma gratuita. Estamos elaborando algumas propostas, com a ajuda do Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (Fonaper), por exemplo, construímos uma proposta curricular, que é adotada pela própria Uepa, e o Conselho Nacional de Educação está trabalhando para construir a matriz curricular para o ensino religioso. Apresentamos ao MEC a necessidade e urgência da questão.

P: Enquanto isso, qual o cenário que encontramos dentro das escolas?

R: Muita intolerância religiosa. Existe uma disputa muito grande entre evangélicos e católicos que suplantam a participação de outras religiões. Temos conhecimento de casos grotescos de violação dos direitos humanos, como alunos que são praticantes da Umbanda e não podem frequentar as aulas com símbolos da religião que são alvo de preconceito, demonizados. A escola é um lugar privilegiado para trabalhar essa diversidade, se os professores conseguirem conduzir uma boa discussão, os alunos passarão a perceber que as diferenças não são tão grandes entre eles e os seus colegas de religiões diferentes, que aqueles clichês e preconceitos criados e assimilados pelo senso comum vão ser desconstruídos. Vão perceber que essa diferença pode ser enriquecedora, que isso que nos torna bonitos.

P: É possível traçar um panorama atual desta discriminação contra outros tipos de religião que não a cristã?

R: Historicamente, dentro do processo de colonização, essa discriminação sempre ocorreu. Os negros, por exemplo, durante muito tempo tiverem que disfarçar e esconder suas religiões. Antes, essa discriminação era muito dissimulada, hoje tomou proporções ainda maiores com o fanatismo. Existe uma incitação ao ódio, o que é perigoso e preocupante. Passou da rejeição para negação e disso para um processo de demonização e incitação ao ódio, ou seja, se for diferente não presta, é demônio, tem que matar. Existe desde agressão psicológica, à física, moral e até assassinatos.

P: Passou a ser uma questão de segurança pública. Como lidar com este cenário?

R: O Comitê Nacional de Diversidade Religiosa está construindo uma política neste sentido. Criamos um grupo de estudos na secretaria para pesquisar e desenvolver projetos. Temos o Disque 100 que recebe denúncias e temos feito visitas nos estados para saber que tipo de problemas tem ocorrido, até para sabermos onde investir mais.

P: Recentemente o Ministério da Cultura lançou editais exclusivos para criadores e produtores negros. Como a coordenadora avalia essa ação?

R: Historicamente existe uma exclusão dos negros da pauta política. Diante disto acredito que é possível desenvolver este tipo de ação para direcionar recursos e contribuir com a difusão dessa cultura rica. A partir desta medida, essa produção ganha fôlego e passa a contar com a mão do governo.




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