Rapper Kaab Al Qadir fala sobre música e religião

Aos 40 anos, o rapper Kaab Al Qadir é uma referência no hip hop pelo seu ativismo social. 

Nas comunidades pobres do Embu das Artes, na Grande São Paulo, o rapper que já foi evangélico quando criança e convertido ao islamismo há oito anos, criou projetos sociais, festivais de música, uma biblioteca comunitária e um espaço para orações e divulgação da religião islâmica chamada Mussalah Rahmah (Casa da Misericórdia).

Kaab participou de alguns grupos de rap  desde o final dos anos 80 como Tribunal Negro, Organização Xiita, Diagnóstico Jihad Brasil e agora está começando uma carreira solo. 

“Quero fazer uma parada diferente, coral, voz e harmonia, estou produzindo uns trampo com Dj Neew, Meio Kilo e Rafael Semblante”, disse. O contato com o islamismo veio por meio dos textos e discursos do líder negro Malcom X, que também era muçulmano.

Há 16 anos atrás, Kaab criou a Associação Cultural Zumaluma, que promove eventos culturais e cursos e mantém uma biblioteca comunitária. O nome é uma homenagem a quatro personagens importantes da luta pelos direitos humanos no mundo: Zumbi, Malcom X, Martin Luther King e Mandela. 

Domingo, dia 25, com o apoio da Zumaluma,  acontece o 1º Projeto Encontrão de Embu das Artes com rampa para skate, grafiteiros  e apresentação do grupo de break Da Vila Rockers. A festa acontece em dois locais: no jardim Independência e no jardim Santa Tereza, com DJs e um sarau.

Entrevista com o Kaab Al Quadir


Como foi o seu primeiro contato com hip hop?

Conheci o Hip Hop nos anos 80 trabalhava como office boy no centro de São Paulo e frequentava a rua 24 de maio . Lá se reunião algumas pessoas nas sextas feiras para os bailes que aconteciam no centro, organizados pelas equipes de som Chic show, Zimbabwe, Black Mad e mais pra frente Circuit Power do Armando Martins, entre muitas outras equipes.

E com a dança de rua?

Fiquei alucinado com a dança de rua por causa do programa Barros de Alencar, na TV. Lá tinha uma competição de danças com grupos como Búfalo Girls e Dragons.  Teve uma parada do Nelsão Triunfo, com a abertura de uma novela.

Como você começou no rap?

Então como já  colava no Centrão, na  rua Direta e conhecia uma geral que colava nos bailes de música Black, Soul e Funk.  Tinha uma turma muito grande interessada no break.  A parada era pulsante, sem ego, sem estrelismo. Pô era massa.  Foi aí que comecei também frequentar os bailes; Club da Cidade, Sanset Club, Asa Branca de Pinheiros, Sandalia Club Pinheiros, Dama Chock, Projeto Leste I e os bailes na quebrada mesmo, com as equipe RCF, Show Case, NeeD Som, The Black Ligth, essa equipes da vila que nos deram oportunidade pra cantar.

Isso foi bem no começo do rap em São Paulo?

Foi sim. Começaram surgir os primeiros manos fazendo rap e tal. Me encantei pela parada, me lembro de um mano que vi fazer um som sensacional, de pegada mesmo, o nome dele era o General G, só vi uma vez e fiquei bolado. Pensei, quero aprender fazer isso. Aí conheci o Thaíde, na São Bento. Eu ia em tudo que é canto que ele e o Humberto (DjHum) iriam tocar. Na época, no início dos anos 90,o Thaide aparecia na minha quebrada e participava de nossos ensaios. O primeiro grupo que formei chamava-se Reality Rap foi em 89 mas a gente já ensaiava um tempão mas rolava uma cabreragem de se apresentar, essa formação eram: Eu, Claudio Paraíba (Ice Dee) e Dj Fabio, hoje mais conhecido como (DJ Meio Kilo). Pô velho, daí mano a parada engrenou saca, formei uma pancada de grupo rsrsrs, mas os que marcaram foram Tribunal Negro, Organização Xiita, Diagnóstico e  Jihad Brasil, fui o idealizador desses grupos. Todos eles deram muito certo, tocamos no Palmeiras com Ja Rule, na MTV com KL Jay  e muito com oThaíde em várias quebradas.

Como está a sua carreira hoje?

Atualmente eu estou com um projeto solo. Mas sem beats (instrumental) quero fazer uma parada diferente com coral, voz e harmonia. Também estou produzindo uns trampos com Dj Neew, Meio Kilo e Rafael Semblante. Quero fazer um bang mais rap mesmo, com mais informação e menos “curtição” porque as vezes a pessoa fica tão presa na batida da música que só lembra o refrão e perde a informação que é o ponto maior do rap, no meu ponto de vista.  Eu sempre inovei na música, algumas vezes deu certos e em outras errado.  O que eu fiz há alguns anos atrás era visto com desconfiança do tipo "isso não pode no rap" . Hoje tem muito malandro ficando rico fazendo o que eu já fazia, mas aí cada um é cada um, estamos em outros tempos.

Como foi o seu contato com o Islamismo? Foi antes ou depois do hip hop?

Antes e depois. Sempre li muito e  escrevi também, tanto para os grupos como para organizar as caminhadas. Estudei sobre o Xiismo mas não tinha noção alguma do que era em sua essência, tanto que dei o nome ao grupo de Rap Organização Xiita, mas nada tinha relação com religião. O primeiro contato com o Islam foi no livro do Malcolm X, que quando saiu todo mundo no rap comentava e tal. Era difícil conseguir um. Quando li, me interessei mais na luta de vida dele do que na religião. Vim me firmar no Islam depois de sair do Organização Xiita, em 2000.

Você tinha outra religião quando criança? Qual religião dos seus país?

Eu passei por várias igrejas evangélicas, quase todas. Conheci diversas doutrinas e assim partes da Bíblia que cada uma condicionava, caminhei nas religiões afros, conheci o Budismo através de uma tia minha. Meus pais sempre foram muito ligados ao cristianismo e são evangélicos até hoje.

Você tem um trabalho de conscientização sobre o que é o islamismo  Quando começou este trabalho?

Sou convertido ao Islam há quase 8 anos, mas praticante mesmo e conhecedor da religião pra valer, foi em 2010. Eu senti a necessidade de um espaço islâmico nos guetos. Pois, infelizmente, A nossa religião tem seus espaços todos em lugares centrais, talvez até mesmo por ser uma religião desconhecida em sua essência por muitos até hoje. Também existe uma certa ‘resistência’ das pessoas, mais pelo o que a mídia passou a divulgar massivamente depois do 11 de setembro. Então decidi levar o Islam para os becos e vielas pro povão em geral. No ano passado abri um pequeno espaço aqui na comunidade para orações e encontros islâmicos ensinamentos sobre a religião no geral. É o primeiro espaço islâmico dentro de uma comunidade carente e cá estamos nós com a graça de Allah Louvado e Exaltado seja, todos os méritos são para Deus. Demos o nome de Mussalah Rahmah (Casa da Misericórdia) agora estamos em fase de mudança, pois como o  número de frequentadores aumentou acabamos por alugar um novo espaço aqui mesmo na comunidade. Todos são bem-vindos para conhecer.

No Brasil, é mais difícil seguir os preceitos do islamismo?

Não acredito que seja mais difícil seguir o Islam no Brasil, quem quer ser muçulmano pra valer será e ponto. Nós muçulmanos da atualidade não passamos meio terço do que nossos profetas passaram, alguns foram mortos simplesmente por seguir a religião, o profeta Muhammad (Que a paz e as bênçãos de Deus esteja sobre ele) passou por diversos constrangimento e humilhações, tudo para que a palavra de Deus Exaltado seja fosse transmitida.

Para cá, foram trazidos muitos negros malês que eram muçulmanos. Você encontra muitos traços deles na cultura brasileira?

Os malês foram os primeiros muçulmanos a pisar nessa terra irmão, a influência da cultura africana no islam você pode encontrar em qualquer lugar por aqui e no mundo, tanto que temos diversos irmãos muçulmanos africanos, temos  Shers africanos que muito ajudam na divulgação do islam aqui no Brasil até mais mesmo que os próprios árabes. Só para você ter uma ideia o primeiro chamado para oração intitulado de Adhan, foi feito por um africano chamado  Bilal Ibn Rabah, e é a mesma proclamação que cada muçulmano seja ele branco, preto, amarelo, vermelho, o faz em cada canto do mundo quando vai fazer suas orações diárias.  

Você criou uma biblioteca comunitária em Embu das Artes. Como foi isso?


Necessidade. Foi por necessidade de acesso aos livros para as pessoas.  Quando idealizei o Zumaluma cujo significado é: Zumbi dos Palmares, Malcolm X , Luther King, Mandela, era o bang de colocar tudo que cantávamos em nossas letras na prática mano, eu só não tinha a dimensão do que estava fazendo, pois a parada cresceu muito rápido. As pessoas aderirem ao trabalho com muita ânsia com muita dedicação.  Eu quase sempre leio por aí que o povo não gosta de ler, em partes é verdade, mas muita vezes foi a falta de acesso que levou a isso. O Zumaluma também serviu para o meu amadurecimento como ser humano. Nasci na favela e, às vezes dependendo da caminhada, os bang vão te afastando de suas raízes. Então eu resolvi fincar as minhas raízes abrindo a primeira biblioteca dentro de uma favela aqui em Embu das Artes. E com a graça de Allah (SWT) continuamos firmes e fortes por aqui. O nosso site é: www.zumaluma.org



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