Como você administra as adversidades?


Paulo Sabbag é mestre em engenharia, doutor em administração de empresas e professor da FGV, na disciplina: Gestão de Crise, há 27 anos. À frente da Sabbag Consultoria há mais de duas décadas, ele foi o idealizador da primeira escala nacional para avaliar o nível de resiliência de profissionais.

O que levou Sabbag a estudar o tema foi o incentivo gerado por três fatores. O primeiro foi uma limitação científica que o impediu de continuar sua tese de doutorado. Na ocasião, o tema de estudo era: como um gestor de projetos enfrenta riscos e incertezas. Começou a pesquisa relacionando o perfil dos gestores mais bem preparados para lidar com riscos ao perfil de empreendedores.

Porém, suas pesquisas revelaram que não havia características determinantes para definir um empreendedor. “Qualquer um pode empreender”, afirma ele. “Ultimamente a maior parte dos brasileiros que tomou a decisão de abrir um negócio o fez por necessidade”. A constatação derrubou as hipóteses que embasavam sua teoria e, portanto, empacou seus estudos temporariamente.

O segundo elemento surgiu em seguida, quando ele se deparou com o termo resiliência. Inicialmente usada na Física, a palavra se refere à propriedade de um material retornar à sua forma ou posição original depois de sofrer uma pressão. 

No início dos anos 2000, a psicologia organizacional passou a usar o conceito para abordar um tema preocupante para as empresas: a dificuldade de alguns profissionais de se recuperar de fortes tensões e adversidades. Paulo Sabbag se interessou pelo assunto, mas ainda não sabia exatamente o que fazer com isso.

O terceiro e decisivo fator que levou o pesquisador a mergulhar no tema foi uma dura experiência pessoal. Pai de duas filhas adolescentes, ele acompanhou sua mulher sofrer com um câncer avassalador até ficar viúvo. Sentiu na pele a importância da resiliência. E resolveu investigar na academia seu significado mais preciso.

Para começar o estudo, Sabbag aproveitou a base de alunos à distância da FGV (na época, formada por 3800 pessoas, e hoje, por 5 mil). Com base em livros americanos que abordavam o tema resiliência, elaborou um questionário, que foi respondido por 1500 alunos.

Dali, Sabbag extraiu os nove fatores que, juntos, compõem a resiliência (veja quadro acima). Os resultados, grosso modo, encaixam as pessoas em um dos quatro diferentes padrões: baixa, alta e duas variações de média resiliência. Entre as médias, um grupo era formado por 60% d homens (70 % deles com formação em ciências exatas). Então, foi rotulado como um arquétipo masculino. O outro, com 60% de mulheres (50% delas com formação em psicologia) foi considerado o arquétipo feminino.

No ano passado, Sabbag foi um dos ganhadores do 55° Prêmio Jabuti, na categoria: Economia, Administração e Negócios, com o livro: Resiliência: competência para enfrentar situações extraordinárias na vida profissional (editora Campus/Elsevier). Nele, o consultor apresenta o conceito e sugere medidas de curto e longo prazos para desenvolver a resiliência, que pode ser aumentada com práticas como esporte, terapia, trabalho social e planejamento e até práticas religiosas.

A seguir, o autor esclarece alguns dos principais aspectos da resiliência e mostra como ela pode ser uma aliada para o sucesso na carreira e na vida pessoal.

Segundo a escala que desenvolveu, qual seu nível de resiliência?

Minha pontuação ficou exatamente entre a baixa e a média. E isso me frustrou porque eu achei que fosse o ban ban ban, por ter passado pela perda da minha esposa. Mas não era.

Se você conseguiu lidar bem com uma situação como essa, o que explica esse resultado?

A resiliência é resultado de nove fatores, então sofre muitas influências. Vou dar um exemplo. Sempre quis tocar um instrumento. Uma vez, fui estudar flauta, mas percebia que não conseguia tocar alto como os flautistas faziam em orquestra. Você pode estar no fundo da plateia, e eles, sem microfone, que, mesmo assim, escuta a música. Perguntei para o meu professor como fazia tecnicamente para o som sair mais alto. Ele disse que a questão não era na boca, mas na cabeça. As pessoas tímidas e introvertidas não conseguem colocar volume no instrumento. Traduzindo isso para a linguagem da resiliência, faltava autoconfiança, que é um dos fatores de maior peso. Juntos, a autoconfiança e autoeficácia são responsáveis por mais de 30% da pontuação da resiliência.

Então existe uma hierarquia de pesos entre os fatores que definem a resiliência?

Embora a resiliência seja sistêmica, ou seja, não adianta ter alguns fatores e não ter outros, sim, existe um elemento na escala que tem mais peso. Ele é formado por autoeficácia e pela autoeficiência. Inicialmente, eram dois construtos separados, mas, durante a análise, se fundiram. Autoeficácia se refere às pessoas que acreditam que comandam as próprias vidas, que tudo o que acontece com elas é fruto do que fizeram ou deixaram de fazer. Envolve crenças muito profundas. Elas pensam: “Não posso por a culpa em mais ninguém. Tem gente que nasceu pobre, em uma família desestruturada, e que se deu bem na vida. Então, não é a inteligência ou o nível econômico que determina o que você é. Mas, sim, o que fez na vida”. As pessoas que acreditam nisso têm mais alta resiliência. Agora, a pessoa pode ter autoeficácia, mas não ter autoconfiança, ou seja, não acreditam no seu próprio desempenho. Desde pequeno, meus pais embutiram em mim a ideia de que eu poderia ser o que quisesse, dependendo do que eu fizesse na vida. Mas o fato de ser tímido e introvertido abalava minha autoconfiança.

Como funciona uma pessoa com baixa resiliência?

Ela fica chocando os problemas, passa anos sem sair do lugar. Sua zona de conforto é cultivar a própria desgraça. A pessoa se isola, se sente humilhada em compartilhar suas dificuldades com outras pessoas. Quem tem baixa resiliência, não aguenta o tranco nos empregos, por exemplo. Fica um mês ou dois e pede as contas porque não era aquilo que queria.  Já uma pessoa de alta resiliência, quando tem um problema, a primeira coisa que faz é procurar os amigos.

Isso parece contraditório. Porque costumamos acreditar que, se somos fortes, temos que se autossuficientes, dar conta dos nossos problemas sem ajuda dos outros.

Mas não é assim. As pessoas de alta resiliência tiram sarro de si mesmas, não se levam a sério e isso facilita o mecanismo de pedir ajuda para quem quer que seja. Mesmo que o faça disfarçadamente, falando de como é ruim naquilo, de como precisa aprender. A pessoa cria uma rede de sustentação para ajudá-la a resolver seus problemas.

Embora resiliência seja um conceito científico, uma de suas indicações para aumentá-la é a prática religiosa. Como explica a relação entre ciência e espiritualidade?

Uma pesquisa de uma universidade católica americana mostrou que o poder da oração aumenta um pouquinho a resiliência. E, de fato, as religiões construíram coisas que coincidem com as recomendações que dou no livro. Perdoar, por exemplo, é libertador para quem perdoa e para quem é perdoado. Quem perdoa não precisa mais cultivar ressentimento, ter raiva, fingir que ignora a pessoa com quem está ressentido, por isso aumenta a resiliência. Tem a ver com a empatia, que é um dos nove fatores, e se refere à capacidade de se colocar no lugar dos outros e compreender seus sentimentos. Outro exemplo é ouvir música para mudar um estado mental de estresse, depois de passar por uma situação de conflito com o chefe, por exemplo. Se escutar uma música de que gosta, com plena atenção, gera o mesmo efeito que cantar um mantra ou fazer uma oração: modifica suas ondas cerebrais, impede você de pensar, interrompe seu estado de animo crônico, que pode ser negativo. Então, aumenta a temperança, que é um controle das emoções. Já outras pessoas, chegam em casa depois de um dia difícil e acendem uma vela. É bobagem? É inútil? Não. Acender vela, se sentir pertencente a uma comunidade religiosa, tudo isso ajuda a torná-lo mais sereno, aumenta a resiliência.

As pessoas já nascem com resiliência alta, baixa ou média?

Oitenta por cento das crianças nascem com alta resiliência, e o resto deve ter resiliência moderada. Por isso que aprendem e se desenvolvem tão rapidamente. É raro encontrar uma criança apática, insegura. No entanto, quando chegam à adolescência, entre 30 e 40% das pessoas são inseguras, precisam de psicoterapia, têm uma adolescência conflituosa, podem fugir de casa, ter uma relação difícil com os pais. Para mim, é uma surpresa como dez anos depois de sair da infância, a vida da pessoa tenha se tornado tão desagregada. Alguma coisa fez cair a resiliência. A adolescência é o momento em que a criança vai se afiliar a grupos, sofre bullying, dificuldades de relacionamentos, começa a se tornar inseguro quanto à própria competência e inteligência. Se ela já tiver uma resiliência um pouco mais baixa, essa conjuntura derruba de vez. Depois, uns 10% vão continuar com dificuldade de adaptação à sociedade, vão ter uma vida complicada, uma família desestruturada, vão usar drogas. Os demais conseguirão se recuperar.

O que, em geral, mais ajuda a recuperar a resiliência?

O ingresso no mercado de trabalho, uma relação afetiva ou o nascimento do primeiro filho são mudanças que costumam ajudar muita gente a recuperar a resiliência.

É possível ter resiliência na vida pessoal e não na profissional ou vice-versa?

Sim, por causa da autoconfiança. Muitos executivos, presidentes de empresa, lidam muito bem com seu trabalho, mas não aguentam ficar em casa nas férias. Arrumam outras atividades. Porque não suportam conviver com as dificuldades de relacionamento com a mulher, com os filhos... A válvula de escape deles é novamente acreditar que têm tanta coisa para fazer que continuam ausentes daquelas questões.

De modo geral, qual dos nove fatores é o mais difícil de desenvolver?

A temperança foi o mais desafiador para eu elaborar justamente porque as soluções não são fáceis. Trata-se de uma perda de controle sobre as coisas, a dificuldade de manter as emoções em uma faixa que seja funcional, sem excessos nem faltas, porque os dois extremos são nocivos. A autoestima também é difícil de melhorar. Porque a baixa autoestima mina a autoconfiança, a temperança, a empatia e a competência social.

Quem já tem alta resiliência pode relaxar em relação ao assunto ou é preciso manter a atenção?

Não é porque você tem alta pontuação em um fator ou mesmo em todos, que não precisa melhorá-lo. Porque a vida pode por à prova a resiliência a qualquer momento. Pode ser uma demissão, um acidente, um trauma (como um assalto), a perda de um filho, da esposa ou da mãe. Mesmo um indivíduo que teve alta pontuação pode fraquejar nessas horas. A resiliência não é homogênea ao longo da vida e, por isso, não importa se é a alta, média ou baixa. Sempre devemos fazer um esforço disciplinado para aumentá-la. A proposta é que, por meio do autoconhecimento e de uma prática disciplinada de coisas que a pessoa goste de fazer, consiga elevar os nove fatores sistemicamente.

É possível falar sobre resiliência de empresas?

Estou estudando esse tema. Os valores que compõem a resiliência organizacional provavelmente não são os mesmos dos indivíduos. Mas sabemos quais são algumas das características que estão relacionas à alta resiliência de uma empresa, com base em vários estudos de caso. São eles: ter uma boa imagem junto à sociedade, ter um líder carismático e reconhecido no meio empresarial ou na sociedade, manter uma comunicação transparente e justa e alimentar vínculos com a comunidade, na base da filantropia e da responsabilidade social. Então, trabalhos sociais, que para muitas empresas é só uma questão de marketing, hoje eu defendo como uma medida de caráter estratégico, porque aumenta a resiliência organizacional.

Que outras formas existem para aumentar a resiliência de uma organização?

Para uma companhia se tornar mais resiliente é preciso mudar a cultura, os processos, os sistemas e a relação entre os chefes e os subordinados. Mas isso é coisa para fazer em cinco anos, no mínimo, ou seja, no longo prazo. Se, simultaneamente, a organização quer aumentar a resiliência diante das dificuldades do momento, da crise, a solução pragmática é: trabalhe com os conselheiros, com os dirigentes e com os líderes de projeto. Se aumentar a resiliência dessas pessoas, a empresa acompanha. Porque são esses caras que vão capitanear o processo de, por exemplo, enfrentamento de uma crise.

E o que fazer para aumentar a resiliência deles?

No caso de pessoas, também há as medidas para o momento, e outras, para sempre. Em fatores momentâneos, ninguém consegue se livrar de situações desagradáveis, como um chefe que grita e humilha. Nessas horas, as práticas religiosas ajudam, aquela dica de ouvir uma música de que gosta também. O importante é manter o autocontrole sobre as emoções. Entre as medidas para sempre, está praticar exercício físico para aumentar a flexibilidade, participar de competição, que aumenta a tenacidade. Dormir bem, ter horários regulares e comer direito também são comportamentos fundamentais para diminuir os efeitos da destemperança. Muitas das práticas que aumentam a resiliência já são intuitivamente defendidas pela sabedoria popular há muito tempo.





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