Problemas no ensino de literatura já duram quatro décadas - Por Noêmia Lopes

Por meio da análise de trabalhos acadêmicos realizados entre 1975 e 2004 e de estudos quantitativos e qualitativos com professores de português que lecionam no Ensino Médio da rede pública da cidade de São Paulo, a pesquisadora Gabriella Rodella de Oliveira, mestre em Linguagem e Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE/USP), constatou que os principais entraves para a formação de alunos leitores já duram pelo menos quatro décadas.

A pesquisa, orientada por Neide Luzia Rezende, professora da FE/USP, e relatada no livro: O Professor de Português e a Literatura, publicado com apoio da FAPESP, revela a persistência de um ensino calcado em períodos históricos literários e em características de época, resultando na homogeneização das obras literárias e das construções de cada autor e em tédio e desinteresse por parte dos alunos.

De acordo com a autora, tal panorama esteve e continua relacionado com a precariedade na formação dos professores, que não se identificam como produtores de conhecimento capazes de definir e selecionar o que deve ser estudado, debatido e produzido com os estudantes.

Entre as consequências, Oliveira aponta dificuldades em manejar a análise dos textos literários, a escolha de obras consideradas mais tradicionais e a dependência de livros e programas de exames vestibulares.

Em um momento em que a escola enfrenta desafios particulares no ensino da literatura, com a demanda por novas ideias, modos de ler, textos e suportes, advinda com a cultura digital, a autora identificou a necessidade de conhecer a formação de hábitos leitores pelos próprios docentes de português, investigar como enxergam a leitura e se relacionam com ela e estudar as concepções que eles têm sobre o que e como ler no Ensino Médio (etapa em que a literatura se constitui oficialmente como disciplina).

Com esses objetivos, Oliveira dedicou a primeira etapa da pesquisa a um estudo quantitativo com 87 professores, que responderam um questionário sobre hábitos de leitura e práticas docentes.

A análise do material , de acordo com a autora, descreve um professor com o seguinte perfil médio: origem em família com baixa escolarização; pouco contato com a leitura na infância; integrante da primeira geração familiar a conquistar uma escolarização de longa duração (embora precária); ensino básico concluído na rede pública e superior, em instituição particular; salário baixo e longa jornada de trabalho; participação em formações continuadas muitas vezes ineficazes; leitor restrito a best-sellers e clássicos escolares.

Nas respostas, TV e internet apareceram como “fatores desestimulantes a um modo de leitura que os alunos, supostamente, deveriam ser capazes de realizar, tipo de leitura que os próprios professores não costumam praticar”, relata a autora no capítulo de conclusão.

Além das tendências de ensinar literatura a partir de um modelo historicista e de atribuir a responsabilidade pelo fracasso do ensino ao aluno, Oliveira também aponta que os professores “tendem a não enxergar no estudante os alunos que eles mesmos foram”.

As demais etapas do trabalho envolveram análises mais detalhadas das respostas de 16 professores, sendo que 12 deles correspondiam ao perfil médio identificado e quatro desviavam do mesmo e entrevistas individuais em profundidade com esses quatro docentes que fugiram do padrão mediano.

O conjunto de dados oferecido pelas investigações, somado aos estudos relacionados a trabalhos acadêmicos desenvolvidos na área a partir de 1975, aponta, segundo Oliveira, para o fato de que, mesmo cobrindo um longo intervalo de tempo e utilizando diferentes aparatos teóricos e metodológicos, as pesquisas terminaram por chegar a conclusões bastante semelhantes.

O Professor de Português e a Literatura 
Autora: Gabriela Rodella de Oliveira 
Editora: Alameda 
Páginas: 296

Mais informações: 
www.alamedaeditorial.com.br/o-professor-de-portugues-e-a-literatura 




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