Espiritual, mas não religioso”: a nova “normalidade chata” dos artistas – Por Matthew Becklo


"Eu não sou mais uma pessoa religiosa, mas aprendi que as energias espirituais transcendem a religião. E isso é uma coisa que eu tenho procurado incorporar na minha música".


Quando eu li esta confissão do cantor folk Noah Gundersen, achei, na mesma hora, que já ouvido aquelas palavras antes. Quase literalmente. Mas onde?

Não demorei muito para me dar conta da resposta surpreendente: ora, em todos os lugares! Eu tenho ouvido esse “testemunho” de “cabeças espiritualmente abertas” em todos os lugares. 

O “movimento” dos “Espirituais-Mas-Não-Religiosos” (ou EMNR) enfatiza o amor, a emoção e a crença em um “poder maior” que está acima das igrejas, dos dogmas e de qualquer concepção religiosa específica sobre Deus. O EMNR chegou e se tornou o novo normal (antes mesmo de sabermos como chamá-lo).
 
Veja só essas declarações de alguns dos astros internacionais da música atual:

Ariana Grande:

"Eu sempre fui um pouco de tudo quando o assunto é religião... Ninguém sabe disso, mas eu também medito todos os dias e faço trabalhos de energização espiritual. Eu gosto de tudo".

Lady Gaga:
"Eu sou espiritual... Não existe nenhuma religião que não odeie ou não condene algum tipo de pessoas, e eu acredito totalmente em puro amor e perdão, sem excluir ninguém".

Justin Timberlake:
"Eu acho que o termo certo para mim seria mais espiritual do que religioso".

Demi Lovato:
"Eu não sou muito religiosa, mas sou MUITO espiritual e com certeza acredito em Deus".
 

Macklemore:
"Eu nunca fui uma pessoa religiosa. Eu sou uma pessoa espiritual desde os 15, 16 anos, quando conheci a psilocibina".

Rihanna:
"Todas as minhas tatuagens são espirituais e mostram o que eu sinto em relação à religião. Eu tenho um falcão, que é um falcão egípcio, que representa Deus".

Beyoncé:
"Tenho mais afinidade com a fé e com a espiritualidade do que com a religião. Fazer o bem e não julgar".

Drake:
"Eu não sou uma pessoa religiosa... É uma coisa mais pessoal. Não importa a religião. Eu falo, só. Preciso de alguém para falar".

Jay Z:
"Se as pessoas querem saber qual é a minha crença religiosa, eu acredito em um Deus. Eu não acredito em religião".

Katy Perry:
"A minha educação foi bem rigorosa, protetora e rígida. Agora é muito mais solto... Eu tenho muita coisa espiritual, New Age, que eu aplico na minha vida".

Mac Miller:
"Eu aprendi muito sobre religião e sempre fui meio que apaixonado por isso... Quanto às minhas opiniões pessoais, eu acredito que existe alguma coisa lá em cima, mas não acredito que alguém saiba o que é".

Pink:
"Eu sou uma pessoa muito espiritual. [A espiritualidade] é como se fosse o meu cobertorzinho de bebê na minha vida. Mas eu não acredito em religião organizada. Como é que um grupo pode estar certo e todo o resto do mundo errado?".

Você já está entediado, certo?

Bom, para mim, a essa altura, seria quase uma lufada de ar fresco ouvir algum ateu existencialista proclamando: "Eu não sou religioso e acredito que Deus é uma ilusão, que o livre arbítrio é uma ilusão e que este universo onde nós fomos atirados é um carnaval absurdo de lixo, de horror e de morte!" (Oh, fale mais, brilhante ateu!).

Porém, o “EMNR” parece ser, cada vez mais, a visão de mundo dos cantores, rappers e outros artistas. Ele evita a hegemonia do dogmatismo e a insensibilidade do materialismo; ele não sabe dizer exatamente o que é a verdade, mas também não rejeita a noção de transcendência: tem algo "lá em cima" que fundamenta o meu "aqui embaixo". Em suma, ele se parece muito com o alardeado "caminho do meio" entre o novo ateísmo e as religiões antigas.

Aparentemente, a chamada geração do milênio concorda com essa visão do “EMNR”. O [jornal] USA Today relatou em 2010 que 72% dos “millennials” se consideram "mais espirituais do que religiosos". 

O Centro de Pesquisas Pew divulgou, no ano passado, que o número de pessoas que não seguem nenhuma religião em particular, mas também não se identificam como ateias nem como agnósticas, continua crescendo rapidamente nos Estados Unidos.

Mas esse "caminho do meio" pode ser uma boa?

Em seu livro: “Bad Religion”, o colunista Ross Douthat, do New York Times, argumenta convincentemente que uma "espiritualidade do Deus interior" não é nada mais que uma heresia de tipo gnóstico, em um caldeirão que mistura "ministérios sem denominação, devoções espirituais-mas-não-religiosas e heresias antigas reinventadas na forma de autoajuda". 

E prossegue: “A religião do ‘Deus interior’ tende a parasitar outras formas mais dogmáticas de fé, que criam e alimentam as práticas que os ‘espirituais self-service’ vão pinçando em porções aqui e acolá... A amplitude da religião do ‘Deus interior’ é uma superficialização, já que as verdadeiras descobertas espirituais geralmente requerem um estreitamento: a decisão de escolher um caminho e de permanecer nele, em vez de borboletear por cá e por lá em busca de uma síntese que seja ‘boa para mim’”.

Outros observadores culturais de diversas orientações comentaram coisas parecidas. Lillian Daniel, no Huffington Post, chama o “EMNR” de “furada”, dizendo que o verdadeiro crescimento e consciência espiritual tem que acontecer no contexto de uma comunidade. 

Alan Miller, humanista laico, vai mais longe e diz que o “EMNR” é o “pior dos mundos possíveis”: “Há pouca transformação nisso aqui. Não há nada que aponte para qualquer projeto capaz de nos inspirar ou nos transformar”. O rabino David Wolpe concorda: "Espiritualidade é emoção. Religião é compromisso. A espiritualidade acalma; a religião mobiliza".

Mas seja o “EMNR” prejudicial ou de ajuda, o problema principal é que ele não passa de uma filosofia autodirigida, sem as verificações saudáveis ​​e os meios de equilíbrio proporcionados pela comunidade e pela tradição. 

O pe. James Martin diz: "A religião pode oferecer um meio de avaliar a minha tendência a me achar o centro do universo, a achar que eu tenho todas as respostas, que eu sei mais que todo mundo sobre Deus e que Deus fala mais claramente através de mim".

A crítica mais devastadora do egocentrismo do “EMNR” vem de David Bentley Hart em seu ensaio: "Cristo e o Nada", que vincula espiritualidades nebulosas a uma corrente histórica mais ampla da vontade de poder:

"A banalidade deste tipo de devoção, a sua falta de dogma e de disciplina, a sua tendência a encontrar divindades não em clareiras e grutas, mas em lojas de presentes, deixa claro que isso não é uma volta ao politeísmo pré-cristão. É uma religião completamente moderna, cujos deuses burlescos não ordenam nem a reverência, nem o temor, nem o amor, nem a crença; eles não passam de máscaras usadas por essa mesma espontaneidade de vontade, que é o demiurgo que governa estes tempos de idas e vindas".

É claro que nada disso sugere que a religião sem a espiritualidade, sem a busca e sem as dúvidas seja a resposta certa, nem que qualquer religião antiga seja válida. O pe. Martin observa: 

"A religião sem espiritualidade vira uma lista seca de afirmações dogmáticas divorciadas da vida do espírito. Aliás, Jesus nos advertiu contra isso. E a espiritualidade sem religião pode virar uma complacência egocêntrica divorciada da sabedoria da comunidade".

Em outras palavras, religião sem espiritualidade é um beco tão sem saída quanto a espiritualidade sem religião. Religião vem do latim "ligação"; espiritualidade vem do latim "respiração"; não precisamos das duas para viver?

Seja o “EMNR” sustentável ou não, uma coisa parece clara: se as tendências atuais permanecerem e se o testemunho dos nossos formadores de opinião continuar se inclinando para longe das religiões tradicionais, o “EMNR” se tornará em breve, ou talvez já seja, a nova “normalidade chata”.

E no meio de tantos “millennials” rebeldes, uma religião milenar pode ser justamente o caminho certo a seguir.






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