Padre comemora 30 anos de casado e afirma: 'o casamento me transformou' – Por Mariane Rossi

Milton Paulo de Lacerda se afastou do ministério sacerdotal para namorar. Esposa diz que não sofre preconceito por ser casada com um padre.

O padre Milton Paulo de Lacerda, de Santos, no litoral de São Paulo, completa 30 anos de casado neste ano. Apesar de a situação soar estranha para muitos católicos, Milton está entre os mais de cinco mil padres no Brasil que abriram mão do ministério sacerdotal para poder formar famílias e encontrar outra forma de viver em harmonia com a igreja.

Milton não gosta de ser chamado de "ex-padre". Ele continua seguindo a tradição e usa uma passagem bíblica, “uma vez padre, sempre padre” (Sl 110.4; Hb 5.6 e 7.17, EP), para defender o rótulo. Mesmo estando distante da função de sacerdote, ele continua prestando serviços para a Igreja Católica, assim como na adolescência, quando descobriu o seu dom para ajudar as pessoas.

Aluno do tradicional Colégio Santista, Milton participava de grupos de jovens da igreja, cursos, retiros e, assim, foi se interessando pela vida religiosa. “A ideia de dedicação com os outros foi crescendo. Até que quando eu cheguei aos 16 anos, para mim ficou muito claro. Eu tinha um orientador espiritual que era um padre jesuíta”, lembra. Ao lado do colégio, havia uma congregação na qual ele acompanhava os trabalhos e, por isso, desejou ser um padre jesuíta.

Aos 17 anos, ele partiu para Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, para viver com os jesuítas. Lá, Milton fez cursos superiores de Letras e de Filosofia. Em seguida, foi para o Rio Grande do Sul para fazer teologia e voltou para Santos como sacerdote. 

Ele trabalhou como padre em Indaiatuba, São Paulo e Santos, realizando missas e fazendo trabalhos com os jovens. “Comecei a escrever livros sobre juventude, com uma conotação mais psicológica e espiritual”, conta.

Com o tempo, o padre passou a estar muito inserido no mundo da psicologia e resolveu se aprofundar no tema. Milton mudou-se para Santos e passou a fazer a faculdade de psicologia. Em paralelo ao curso e também para aprender mais sobre essa área, ele passou por sessões de terapia. A experiência fez com que descobrisse outros caminhos. 

“Eu fui me convencendo cada vez mais de que eu tinha duas vocações muito claras. Uma era o sacerdócio. Eu não me arrependia e não me arrependo até hoje. E a outra era que eu também queria casar. Eu tinha vocação para o matrimônio. Eu sempre achei que seria uma coisa muito importante para mim ter uma esposa, mas eu sempre me afastava dessa ideia por ser padre e ter que seguir o celibato”, afirma.

Milton decidiu deixar o ministério sacerdotal. “Foi dureza. Foi um processo muito doloroso de reflexão, de análise. Era um conflito de ideias. Eu nunca deixaria de ser padre. É uma coisa que não acaba, mas eu ia me afastar do trabalho de padre”, conta. Ele conversou com os superiores da Ordem dos Jesuítas para dar entrada ao afastamento e poder realizar o outro sonho.

Durante o processo, ele conheceu uma jovem após celebrar uma missa no interior de São Paulo. “Depois da missa, eu sai da capela. Quando eu estava chegando na recepção eu dei uma trombada com aquela moça. Era ela, minha esposa”, conta ele. Ainda naquela cidade, eles foram apresentados por amigos e acabaram se aproximando. A professora Catarina Augusta aceitou o convite de Milton em fazer um curso de psicologia em Santos e passou a morar na cidade litorânea. 

“Logo quando começou o curso nós começamos a namorar. Eu fui fazer psicologia, comecei a participar de congressos. Ele me entusiasmou, me incentivou”, conta ela.

Depois de dois anos de namoro, eles casaram no civil em 1984, em Bragança Paulista. E, só em maio de 1993, celebraram a união na Igreja dos Passos, em Santos. Os dois viraram psicólogos, passaram a clinicar em seus consultórios e a dar aulas no Instituto de Teologia para Leigos, também em Santos. Milton e Catarina também se tornaram escritores.   Ele já publicou mais de 30 livros relacionados à juventude, a virtudes e a psicologia.

“A gente não planeja casar com um padre, mas é uma coisa que foi acontecendo. Quando ele foi em casa, conhecer a minha família, eu achei muito interessante porque foi um acolhimento muito bom”, conta Catarina. Ela afirma que ninguém teve preconceito por causa da relação dos dois e o fato de Milton ter sido padre nunca foi um problema nem para o casal e nem para as outras pessoas que convivem com eles. O casal entende que o celibato deveria ser optativo. 

“Se alguém quiser ter o celibato tudo bem, mas não que isso fosse obrigatório para ser padre. Toda vez que eu sabia de alguém que casava eu não ficava escandalizada, pelo contrario”, falou Catarina.

Para Milton, que comemora três décadas casado com Catarina neste ano, o casamento lhe proporcionou outros aprendizados. Ele acredita que amadureceu psicologicamente, como homem e cidadão. 

“O casamento me transformou. Pelo casamento eu me tornei mais gente. O padre com toda a bondade que tem, com toda a honestidade, muitas vezes é ingênuo porque não está na realidade. É uma vida na qual faltam dados de realidade que só a vida em família traz”, afirma ele.

Já Catarina conta que ganhou um companheiro de vida. “Para que casamos? Para ficar junto, se apoiando no outro, ajudar o outro a crescer. Acho que é por aí. É uma oportunidade de crescer. Amar alguém por uma noite é muito fácil, o difícil é amar essa pessoa todos os dias”, finaliza ela.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

"Negociar e acomodar identidade religiosa na esfera pública"

Pesquisa científica comprova os benefícios do Johrei

A fé que vem da África – Por Angélica Moura