O terrorismo global e a atuação da comunidade internacional – Por Rodolfo Milhomem


A evolução da abordagem internacional do fenômeno do terrorismo consubstancia-se com maior força com a crescente codificação do Direito internacional no século passado.

Antes um ordenamento baseado no costume, o Direito internacional evoluiu no sentido da contratualização das relações dos Estados, em consonância com princípio jurídico da segurança jurídica e da eliminação da guerra como instrumento de resolução de conflitos internacionais.

Não obstante, a crescente onda terrorista moderna cria novos desafios para as relações entre os Estados e para a manutenção da paz, sendo o Direito Internacional o instrumento (senão o único) eficaz no combate unificado às ameaças e ataques covardes justificados por ideologias ou religiões que vão de encontro ao princípio supremo da dignidade humana.

O terrorismo é um fenômeno antigo, com registros de atividades na Grécia Antiga, em Roma, no Califado Árabe Fatímida, etc. É exemplar a atuação do proeminente grupo? ashshashi (Assassinos) no século XI, com seu líder Hassan-i Sabbah, o qual violentou e aterrorizou o que hoje seria o Irã e a Síria com assassinatos sistemáticos com objetivos políticos (não apenas uma coincidência com o atual grupo Estado Islâmico).

O ato deliberado de causar terror e destruição em populações com o objetivo específico de implicar uma mudança política em seu alvo vai ao encontro de movimentos independentistas, de ideologia, de religião fundamentalista, ou seja, de grupos que não possuem poder ou capacidade política ou militar de exercer influência direta nos rumos de um País ou população (apesar de também existir o chamado terrorismo de Estado, não aceito na literatura das Convenções Internacionais).

Calha relembrar, dentro desse contexto, que a Kun Klux Klan foi considerada um grupo terrorista já no século XIX; que a 1° guerra mundial e todas as suas consequências desastrosas foram causadas por um único ataque terrorista do grupo sérvio conhecido como mão negra, assassinando covardemente o arquiduque Francisco em Sarajevo.

Em plena guerra fria, o vocabulário terrorista já era usado constantemente entre os países em discussões sobre segurança internacional. Nesse contexto, já em 1963, nascia a primeira Convenção internacional deliberadamente relacionada com o terrorismo.

Nesse sentido, uma clivagem nasceu e ainda povoa a abordagem do fenômeno por parte dos países ocidentais, os quais possuem uma abordagem jurídica do fenômeno, tentando construir consensos para aprovação de documentos universais que tipificariam o terrorismo como ato ilícito e apto a ser julgado. 

Por outro lado, países comunistas e do movimento dos não alinhados possuíam um enfoque político, procurando entender e atacar as causas profundas que resultavam em ataques terroristas.

Desde então, o enfoque jurídico ganhou força, com a criação de diversos instrumentos internacionais sobre a temática, mas que tinham um alcance apenas parcial do fenômeno. Desde a década de 60 do século passado, aproximadamente catorze instrumentos legais globais sobre o tema foram negociados e concluídos. 

Conforme supracitado, abarcam aspectos específicos, como a proteção da segurança na aviação, segurança marítima, plataforma continental, proteção de pessoal diplomático e reféns, materiais explosivos, proteção de material nuclear, financiamento do terrorismo e o terrorismo nuclear.

Dentro do Conselho Segurança das Nações Unidas (CSNU), foram numerosas resoluções condenando o terrorismo, no total de 45, desde a primeira, aprovada em 1989. Após o 11 de setembro, com a guerra ao terror americana e o efeito midiático dos ataques (exatamente como queriam os terroristas), houve uma explosão de resoluções, sendo no total 33. 

Ressalta-se que as resoluções do Conselho têm força de lei. Ademais, foi aprovada, também dentro do contexto do 11 de setembro, a resolução 1373, que criou o Comitê Antiterrorismo (CAT), demonstrando a importância estratégica que o fenômeno ganhava na agenda internacional.

O Brasil, dentro dessa discussão internacional, não é um mero espectador, tendo participado e aprovado todas as convenções supracitadas, menos a de Supressão de Atos Relacionados com a Aviação Civil, assinada e ainda não ratificada. 

No Conselho de Segurança, das resoluções aprovadas, o Brasil participou de 12, ainda quando estava sob o mandato temporário de membro do Conselho de Segurança. Mais ainda, no âmbito da OEA e do Mercosul, o Brasil participa amplamente das iniciativas relacionadas ao tema.

Não obstante, apesar de apoiar formalmente as iniciativas internacionais sobre terrorismo, o Brasil é um país extremamente vulnerável a ataques como também aos efeitos indiretos do tema, como, por exemplo, com a presença comprovada de terroristas em território nacional (tríplice fronteira, Sul e Sudeste), com o combate capenga ao financiamento do terrorismo e da lavagem de dinheiro etc. 

O País, dessa forma, foi advertido recentemente pelo Grupo de Ação Financeira (Gafi) ano passado, como um país que não desenvolve ações concretas no combate ao ilícito.

Mesmo com todos esses esforços da comunidade internacional, o terrorismo continua a aumentar sua atuação, sua complexidade, sua descentralização e seu impacto global por meio de redes estabelecidas através do aumento da globalização e da dissolução das fronteiras. Uma Convenção única Global foi posta em discussão nos anos 2000, mas não avançou devido a uma motivação principal, a definição concreta e única do que seria terrorismo aceita por todos os países do mundo.

A comunidade internacional ainda tateia esse fenômeno complexo, enquanto vítimas inocentes são assassinadas quase que diariamente por métodos cruéis e totalmente contra o mínimo de respeito à dignidade humana. A nova idade média chega com toda força ao novo milênio.


(Rodolfo Milhomem, advogado e consultor na área internacional)



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